Marcos Maciel
- seção: entrevistas
[Sobre cantar na Folia do Divino de Planaltina:]
“Olha, é um turbilhão de emoções. Dá vontade de chorar, arrepio no corpo… Eu sinto assim. Na minha mente eu vejo uma luz que vem do céu e passa por mim – eu já vi isso várias vezes. Eu vou cantar de olho fechado pra me concentrar. Mesmo porque, quem canta ali não é a gente. A gente é um instrumento do Espírito Santo, ele canta através da gente.”
Entrevista com o músico, contraguia de Folia e professor de viola Marcos Francisco Maciel, morador de Planaltina-DF.
Encontro realizado no Museu Artístico e Histórico de Planaltina, Planaltina-DF, dia 11 de maio de 2018.
Entrevistadores: Domingos de Salvi, Sara de Melo, Daniel Choma e Tati Costa.
Transcrição: Tati Costa. Fotos e editoração: Daniel Choma.
Domingos: Como começou a relação da sua família com as Folias em Planaltina?
Marcos: Meu tio começou a ir na Folia com nove anos de idade e meu pai com oito. Isso mais ou menos na década de cinquenta. Meu tio está com setenta e quatro, setenta e cinco anos ele faz esse ano. Joaquim era menino, meu tio já era guia de Folia. Joaquim tem sessenta anos. Joaquim fala assim: “Marcos, eu era menino seu tio já era guia de Folia”. A coisa é muito bonita, essa tradição que veio. Aí meu tio aprendeu com o meu tio avô e meu tio me ensinou. Então você vê, um tio passou pro sobrinho e pro outro sobrinho. Lá onde Joaquim mora hoje em dia era a casa desse meu tio avô. Na época nós chamava rua da Palha, rua Piauí tem ali embaixo, onde antigamente tinha Folia de Reis, naquela rua. Nessa época meu pai era folião. Meu pai era folião até quando ele casou, depois ele parou. Por causa do casamento aí veio filho, aí trabalhava no serviço público e naquele tempo era barra conseguir um dia pra sair.
Hoje em dia você pega um ofício, antigamente não. Pra sair do serviço só férias mesmo e olhe lá. Mas assim, a história é muito grande. Quando foi em [19]84 começou a Folia de Roça entrar na cidade. Mais ou menos assim a história, eu não sei te falar direito não. Não vou falar porque não sei se estou certo, mas eu sei que no calendário da festa, em 84, Souza Lima é o primeiro festeiro da Folia de Roça que vinha pra cá. E aí de 84 até agora, já vai ser a trigésima quinta eu acho, se não me engano. Mas começou, ele resgatou essa Folia em [19]72, mas antigamente não vinha à cidade, era diferente. Eu não sei como é que funcionava. Mas ele vai te falar direitinho. Aqui dou o telefone dele, você consegue falar com ele ainda esse mês. Você vai colher muita coisa sobre essa Festa do Divino aqui. Porque assim, por exemplo, Zito, Ester, eu, somos mais novos que ele. Então a fonte mesmo é ele. A gente sabe também porque bebeu daquela fonte lá.
Tem pessoas que não fazem isso. Eu costumo valorizar as pessoas mais antigas porque eles que são a fonte da gente, os mais novos. Eu aprendi com eles. Tanto que quando eu comecei a guiar a Folia eu não via rapaz no meio dos velhos, só tinha eu. Os caras ficavam: quê? No meio desses velhos… Eu falava: é aqui que eu quero ficar mesmo, que eu vou aprender. Porque lá que eu aprendi. Aprendi a bater caixa, pandeiro, rebeca, dançar catira. Tudo eu aprendi com eles, se não fosse eles… E hoje em dia você não vê mais jovens aprendendo a Folia aqui, poucos, poucos, poucos. Guia de Folia aqui em Planaltina, se eu não me engano, dos mais novos tem eu, o Denival e um rapaz chamado de Rafael. Mas tudo de idade acima de cinquenta. Os mais novos, eu, depois Denival e Rafael. Porque o pessoal não vem não, infelizmente. Mas fora você acha muito jovem tocando assim, Formosa, no interior de Goiás, Minas tem muito jovem. Mas aqui não sei se é porque é cidade, aí o jovem fica: ah, negócio de tocar viola, ficar no meio dos velhos… Pois é, lá que está o segredo da coisa.
Domingos: Como é que foi o seu aprendizado, até você ser guia?
Marcos: Eu comecei a girar Folia em [19]93, com dezenove anos. Eu fui pegar a Folia com a intenção de tocar violão igual ao meu pai. Nunca pensei de ser guia de Folia, nunca imaginava. Aí eu comecei a girar Folia tocando violão. Eu fui a primeira vez na Folia de Reis aqui em Planaltina… Eu conhecia Folia já, eu ia assim, uma hora ou outra. Eu conheci Folia mesmo pra valer em [19]86, com doze anos, mas eu não girava não porque estudava e meu pai também não ia, trabalhava. Mas quando eu fiz dezoito anos, porque meu pai era muito sistemático, não podia ir pra longe porque menor de idade não vai pra longe. Porque naquele tempo a rédea é curta comigo, meu pai é desse jeito. Quando foi com dezoito anos eu comecei a vim a participar da festa aqui em Planaltina. Aí já era maior de idade, podia sair sozinho. Aí só avisava: pai, estou indo a tal lugar, volto tal hora. Pronto, está bom pra ele. A importância ali estava. Aí vi passando na rua, escutei o pessoal cantando. Cheguei, falei, perguntei: “o Vítor está?”. “- Está não, ele foi pra casa dele, volta amanhã”. Eu: “então tá jóia.” “ – Você é quem?” “Sou sobrinho dele.” “ – Rapaz, você é sobrinho do Vítor?” O cara já me chamou pra conversar: “filho de quem?” “- Eu sou filho do Moacir.” “ – Rapaz, conheci seu pai quando ele era menino!” Aquele negócio todo. Fui pra casa. Isso foi dia 31 de dezembro. Eu voltei dia primeiro de janeiro. Aí meu tio estava. Cheguei: “tio, quero participar da Folia, como é que faço?” Ele: “não, fique perto de mim aqui.” Aí teve o cantorio. “- Você vai fazer o quê?” “- Quero tocar violão.” Aí ele: “deixa meu sobrinho tocar violão.” Aí eu comecei a tocar violão na Folia. Toquei, o pessoal ficou: “rapaz, mas esse rapaz toca bem demais.” Porque eu tocava já desde criança e eu via o pai tocando em casa, então eu sabia muita coisa de Folia sem ter ido. Por causa do meu pai que me ensinou a tocar violão e ensinou a tocar viola. (Continua…)