Sousa Coelho

“É unanimidade que a construção de um bom instrumento vem a partir da escolha de uma boa madeira. Uma madeira de qualidade, uma madeira já estabilizada. Madeira verde nem pensar…”

Entrevista com Sousa Coelho, luthier e militar, morador de Águas Claras-DF.

Gravação realizada no Orbis Estúdio, em Vicente Pires-DF, no dia 15 de dezembro de 2019.
Entrevistadores: Domingos de Salvi, Sara de Melo, Daniel Choma e Tati Costa.
Transcrição: Tati Costa. Fotos e editoração: Daniel Choma.

Regivaldo de Sousa Coelho nasceu em Monte Alegre-PI no dia 02 de dezembro de 1975.

Domingos: Sousa, maravilha, muito obrigado por ter vindo aí… Obrigado mesmo! Você é natural de onde?

Sousa: Eu sou piauiense. Até não conheço nenhum luthier piauiense, principalmente de viola. Essa questão da cultura da viola é mais aqui pro Goiás, São Paulo, Minas Gerais. Às vezes as pessoas até estranham: “Pô, você é piauiense, como chegou nessa questão da viola?”

Domingos: Mas qual a cidade do Piauí?

Sousa: É Monte Alegre, uma cidadezinha pequena no sul do Piauí, próximo à divisa da Bahia.

Domingos: Como era lá na infância?

Sousa: Ah, infância na cidade do interior é tudo de bom, não é? [Risos] Eu estava até recordando agora um colega lá falando sobre manga. Nessa época de manga era uma maravilha, cidade do interior, a gente saía pra roubar manga no quintal alheio! [Risos] Era uma maravilha! [Risos]

Domingos: E seus pais são de onde?

Sousa: Eles são de lá, naturais de lá também. Aí em 1990 meu pai vendeu a casinha que tinha lá e nós viemos pra cá em busca de melhoria de vida pra gente. Ele sempre foi muito preocupado com essa questão e aí trouxe todo mundo pra estudar. Desde 90 nós estamos aqui no DF [Distrito Federal].

Domingos: Como foi essa chegada, sair de uma cidade pequena vir pra Brasília.

Sousa: Ah, é uma mudança bem grande. Porque a gente vivia totalmente solto na cidade do interior, que não tinha essa questão de violência e de repente se vê numa cidade grande. É totalmente diferente.

Domingos: Vocês chegaram aqui e foram morar em qual cidade?

Sousa: Em Ceilândia, numa região bem periférica, expansão do setor O. Uma região bem periférica, ainda hoje tem muito problema, mas na época tinha bem mais problemas. Principalmente problema de violência.

Domingos: Você tinha qual idade nessa época?

Sousa: Quinze pra dezesseis anos.

Domingos: E aí você foi estudando, como foi a chegada depois?

Sousa: Aí eu comecei a estudar e trabalhar logo, meu pai já arrumou emprego pra gente. Eu comecei a trabalhar nessa época. Comecei a trabalhar em uma padaria e aí não parei mais. Aí depois em 1997 eu passei no concurso da Polícia Militar, eu sou sargento da Polícia Militar. Isso aqui [refere-se à luteria] eu comecei por hobby, como eu já te falei. Mas eu tenho a minha atividade principal.

Domingos: Você já tinha ligação com música?

Sousa: Sim, eu sempre fui apaixonado por música apesar de não tocar e nem cantar, mas eu sempre fui muito apaixonado por música e eu assistindo um vídeo no youtube cheguei até um vídeo de um luthier, o Luciano Queiroz, não sei se você conhece, o Luciano Queiroz é bem renomado já. O título do vídeo é: “Como construir uma viola em doze minutos”. E eu assisti aquele vídeo, fiquei encantado com aquilo. E aí eu coloquei na cabeça, tenho que construir um instrumento. Só que na época eu morava em Águas Claras, a gente morava em apartamento e não tinha a menor possibilidade de eu enfrentar um projeto desse, construir uma viola, um instrumento morando num apartamento. Não tinha nem como mexer com corte de madeira, essa coisa toda. Aí eu pus aquilo na cabeça mesmo: não, tenho que construir um instrumento. Só que aí mais tarde me veio a ideia de sair do apartamento e procurar uma casa. Aí deu certo, comprei um lote grande em Arniqueiras. Hoje já tenho meu espaço construído onde eu trabalho, hoje tenho muitas ferramentas. Mas eu comecei, o primeiro instrumento que eu fiz foi como dizem, na unha mesmo. Eu não tinha ferramenta quase que nenhuma. E aí eu fiz a primeira viola, fiquei muito empolgado. Chegava, às vezes nem dormia de noite querendo que chegasse logo o outro dia pra eu recomeçar o projeto, aquela coisa toda fui me apaixonando cada dia mais. E estou aí cada dia mais aperfeiçoando a coisa.

Domingos: Mas esse start pra você começar a fazer a viola veio a partir do vídeo ou você já tinha?

Sousa: Foi o vídeo que me impulsionou, de verdade foi aquele vídeo. Eu até tenho uma vontade de encontrar o Luciano Queiroz pra eu falar sobre isso, essa questão do vídeo dele que me impulsionou pra começar a fazer isso. Uma época dessa ele esteve aqui em Brasília dando uma palestra, uma coisa assim, mas aí não deu pra eu ir.

Domingos: E como foi então esse início, você já tinha uma prática com madeira?

Sousa: Não, interessante que eu não tinha prática nenhuma com madeira. O meu pai foi carpinteiro muito tempo, mas só de ver fazendo mesmo, não tinha prática nenhuma com madeira e até me impressionou porque a primeira viola até que não saiu tão ruim, eu nem gosto de mostrar. Eu tenho ela em casa ainda, mas eu não gosto de mostrar porque se você comparar com esse instrumento hoje é uma diferença tremenda. Às vezes tem alguém que chega lá, algum cliente que pede pra ver a primeira viola, falo: “Não, não vou mostrar não!” [Risos] Essa é só pra mim mesmo. Mas é uma diferença tremenda… A questão de não ter ferramenta, não ter ainda a experiência de saber qual a espessura das peças corretamente. É um instrumento que ficou muito pesado. Ela é um instrumento que tem quatro ou cinco vezes o peso desse instrumento hoje talvez.

Domingos: Mas ainda assim quando você terminou ele qual foi a sensação?

Sousa: O que eu busquei naquele instrumento, no primeiro momento foi a afinação. O meu objetivo era que desse afinação correta e eu consegui. Então eu fiquei muito empolgado. Aí pensei: não, se deu afinação então o resto aqui a gente consegue melhorar. E de certa forma é o que foi melhorando mesmo.

Domingos: E essas mídias digitais hoje também têm um recurso pra buscar informação?

Sousa: Sim. Aí a partir desse vídeo, quando eu vi o vídeo realmente coloquei na cabeça que eu queria mexer com isso mesmo por hobby. Eu comecei a estudar. Comecei a estudar, pesquisar sobre o assunto. Eu estudei muito sobre madeira. Estudei mais ou menos uns dois anos pra poder começar essa viola. Até porque na época eu morava ainda num apartamento e demorou um pouco esse período. Até a mudança pra casa demorou mais ou menos uns dois anos e nesse período eu estava sempre pesquisando e estudando sobre o assunto.

Domingos: Você tinha em mente que lá na frente você ia colocar a mão na massa?

Sousa: Exatamente!

Domingos: Na madeira…

Sousa: É, na madeira!

Domingos: E o que você aprendeu sobre madeira que você pode compartilhar com a gente?

Sousa: Bom, é unanimidade que a construção de um bom instrumento vem a partir da escolha de uma boa madeira. Uma madeira de qualidade, uma madeira já estabilizada. Madeira verde nem pensar. Pra instrumento é impossível se fazer um instrumento com madeira verde. Aliás, é qualquer peça de madeira. Madeira verde ela vai se movimentar e ela vai… Pra instrumento principalmente, não tem como. Então a escolha de uma boa madeira é essencial para um bom instrumento.

Domingos: Você partiu então da viola caipira e você continuou construindo viola?

Sousa: Sim. Da viola. Eu me especializei mais em viola. Na realidade eu gosto mais de construir viola. Até porque eu toco um pouquinho de viola. Violão eu comecei, mas aí larguei logo também. Mas eu gosto mesmo de construir a viola. Me identifico mais com a construção da viola. A dinâmica de construção da viola e do violão é a mesma coisa. Viola, violão, cavaquinho. É a mesma dinâmica de construção. Mas eu me identifico mais com a construção da viola. Até pelo som. É apaixonante mesmo o som da viola. 

Domingos: Quais as madeiras recorrentes pra viola, ou que você utiliza mais?

Sousa: Bom é unanimidade entre os construtores do mundo que o jacarandá-da-bahia seja a melhor madeira para instrumento. Realmente e eu não discordo disso. Mas tem outras madeiras. Essa viola, por exemplo, é feita de cedro brasileiro. O cedro rosa. Eu tinha duas violas, uma de jacarandá e essa e eu resolvi ficar com essa porque eu gostei muito mais do som dessa viola. Mas isso é um conjunto de coisas. Não significa que seja somente a questão do cedro aqui, nesse instrumento especificamente. É um conjunto de coisas. Mas eu gosto demais do som do cedro. E tem alguns violeiros mais antigos, principalmente, que eles gostam mais do som do cedro ao som do jacarandá. Mas sem dúvida o jacarandá é um conjunto de coisas. É a beleza dele que é indiscutível e incomparável até. E a questão da sonoridade também. Tanto que o jacarandá é proibido já há muitos anos no Brasil, o corte dele. Assim como o mogno também. Inclusive as madeiras que eu uso de jacarandá é madeira proveniente de demolição. Até porque não se acha mais quase na natureza essa madeira. (Continua…)