Pedro Vaz

“A memória é o que nos faz ser, não é? A gente é o que é pelas nossas memórias também. Porque através delas é que a gente caminha no mundo, ou na arte, ou na vida pessoal. Em qualquer circunstância, o que você tem pra ver o mundo é o que você traz dentro de você, que é a sua memória. E um pouco de inspiração, intuição, que não está necessariamente ligado à memória. Mas as nossas memórias são as nossas cartas na manga, aquilo que a gente tem pra recorrer do que a gente sabe, do que a gente viveu, do que a gente conhece, do que a gente não conhece. Acho que é um pouco isso. Nossa parceira de ver o mundo, de viver no mundo, de fazer o mundo.”

Entrevista com o musicista Pedro Vaz, morador de Brasília-DF.

Encontro realizado na Escola de Música de Brasília, Brasília-DF, dia 20 de setembro de 2018.
Entrevistadores: Domingos de Salvi, Daniel Choma e Tati Costa.
Transcrição: Tati Costa. Fotos e editoração: Daniel Choma.

Pedro Vaz nasceu em São Paulo-SP no dia 10 de setembro de 1988.

Domingos: Você é natural de onde?

Pedro: Eu sou natural de São Paulo, capital. Nasci lá, mas fui criado em Goiânia. Fui pra lá com cinco anos, pra Goiânia, e morei lá até vir pra cá, pra Brasília, estudar. E aí desde então estou lá e cá, Goiânia e Brasília. Estou nessa ponte aí.

Domingos: Como que era Goiânia da sua infância?

Pedro: Era legal. Curioso que nessa época da minha infância, o que reinava de música lá era o sertanejo anos oitenta, noventa, o Zezé di Camargo, Leandro e Leonardo… E eu nem tinha essa noção da viola, sabe? Meus pais não têm muito essa tradição assim de ouvir música de viola, música caipira e tal. Meu pai é paulistano, ouvia mais rock, música internacional… E a minha mãe mais ligada à MPB, à tropicália, essas coisas. Mas depois que eu me aproximei da viola fui descobrindo uma herança rural aí também, de bisavô, avó e tal, coisas de família goiana. Então, meio que por acaso que eu descobri essas coisas.

Domingos: Pode comentar mais sobre estes seus avós?

Pedro: A minha avó tem nove irmãos e praticamente todos eles foram criados na roça pelo meu bisavô que era tropeiro. Ele vendia, era tropeiro… Mas era meio autônomo também. Ele ia buscar, comprava umas coisas e trazia, vendia. Então ele era mineiro, mas migrou pra Goiás ali na região de Ipameri, Catalão, onde ele fez família com a minha bisavó e criou os filhos. Circulavam muito nessa região de Goiás, Tocantins, Brasília, Minas um pouco, como tropeiro. Então tem um pouco essa herança. Os tios da minha avó, que são dessa região de Ipameri, muitos tocavam acordeom. Minha avó cantava muito. Eles eram uma família musical, de cantar muito. Até estou muito interessado… Recentemente estive com alguns irmãos da minha avó e eles relembraram algumas músicas que cantavam na infância. Eu estou bem a fim de desbravar essas canções aí com os velhos da família.

Domingos: Goiás tem uma tradição daquelas modinhas… Tem algo por aí?

Pedro: Na verdade eu nem sei muito bem o quê que é. Eles cantaram algumas coisas até conhecidas, de cancioneiro caipira e tal. Mas acho que também umas modinhas, umas parlenda… Umas histórias e causos de bicho, sabe? Coisa que eles… Como não tinha energia, não tinha rádio, não tinha nada, então à noite eles ficavam contando história. Aí sempre vinha gente de fora, trazia história, trazia música e tal… Era pouso às vezes de boiada, de tropa. Então era essa vida rural.

Domingos: Mas você começou a ter contato com viola em Goiânia ainda?

Pedro: Foi em Goiânia. Eu conheci o Diego [Lobo], que é um amigo que até virou parceiro de projetos até hoje. Ele teve uma vivência maior dessa “goianidade”, de música caipira na família desde sempre, avô violeiro e tal. Então ele já tocava viola. Nessa época eu tinha uns dezoito anos e ele também mais ou menos da mesma idade. Ele já fazia umas misturas, já botava pedaleira na viola… E aí comecei a me interessar. Nessa época eu ainda flutuava um pouco de instrumento, tocava um pouco de violão, de guitarra, percussão. Mas ainda não tinha certeza se era isso. E aí comecei a experimentar, ter esse contato com a viola. Ainda sem contato com a tradição, mas com a viola dele, do jeito que ele tocava. Depois, quando vim pra Brasília, morava na casa da minha tia e um amigo dela, o Betão, ia pra lá ao fim de semana cantar e tocar viola. Ele tem um repertório grande, ficava cantando os cancioneiros mesmo de viola. E aí eu ficava com o violão lá meio improvisando, indo atrás, brincando e tal. Devagarzinho fui me interessando mais, mais, mais, aí ele me mostrou algumas coisas. O Diego também me mostrou algumas coisas. Depois vim a ser aluno do Roberto [Corrêa] aqui na Escola [de Música de Brasília], meio ainda sem entender quem era o Roberto assim, sabe? E aí tive esse contato semanal com ele, por uns dois anos e meio. E aí peguei bastante coisa também…. Nessa altura, foi meio que uma transição conhecer a coisa da viola mesmo, de entender as tradições, os ritmos, as duplas, de ir atrás, de começar a gostar mais e tal. Aí depois ele saiu pra fazer mestrado, eu já tinha nessa altura, entrado na UnB, estava fazendo licenciatura em música. Então me formei e resolvi voltar e fazer o curso técnico. Que eu tinha concluído o básico com ele nessa altura. E aí vim e fui ser aluno do Marcos [Mesquita]. Nesses quatro anos e meio, fiquei estudando viola por conta própria. Compondo também, fazendo arranjo, tocando em alguns projetos que já rolavam nessa época. E então vim ser aluno do Marcos no curso técnico, fiquei mais uns dois anos e meio sendo aluno dele. Não cheguei a concluir o curso, mas… Então, tenho essas duas referências. Fora outros violeiros que a gente acabou encontrando… O Fernando Deghi, por exemplo, que veio dar um curso de verão aqui. Ficou uns doze dias aí, todo dia a tarde inteira tocando viola com a gente, passando muita coisa, muito material também. Então, me influenciou bastante.

 

Domingos: E a escola de cada um desses dois professores, Roberto e Marcos, como que foi? Muito diferentes?

Pedro: É, bem diferente. Eu acho até que são complementares. O Roberto, pelo menos no período em que fui aluno dele, ele meio que sacou que eu não estava muito ligado no cancioneiro caipira, e aí ele começou a me passar o repertório dele, as peças dele. Também coisas de ritmo, técnica, bastante. Mas aí focamos nas composições dele, que foi pra mim muito legal porque em pouco tempo desenvolvi muito tecnicamente, de repertório. E aí eu conseguia fazer uma ponte entre a técnica e a linguagem que ele explorava dentro das suas composições pra mim, as utilizar e recriar da minha forma, tanto compondo quanto fazendo arranjo ou tocando em outros contextos. Então foi muito legal, mas o foco dele era bastante esse. Depois, com o Marcos eu já era um tanto mais maduro, porque eu já tinha concluído a graduação. Já tinha vivenciado bastante coisa, artisticamente. E tinha tido essa vivência com o Roberto. Mas aí o Marcos tem uma outra visão, uma visão que traz um pouco mais sobre harmonia, sobre improvisação, sobre formação de escala, de acorde. E repertório também, que me foi muito útil didaticamente, pra eu passar pros alunos também. Porque com o Roberto acabou que eu furei um atalho e já fui pra umas coisas mais complexas, que às vezes pro aluno iniciante era difícil de aplicar, sabe? Então com o Marcos eu também consegui pegar bastante repertório mais iniciante, mais simples e tal. Coisas de variados compositores. E tocava bastante na aula e mostrava algumas coisas pra ele também e tal. Então foi bem bacana e vejo meio que como complementares essas duas escolas, digamos assim, que me influenciaram tanto artisticamente quanto didaticamente também. Hoje eu sou professor aqui da Escola de Música de Brasília, onde eu estudei com eles. Eles se aposentaram. Então acho que eu me proponho a conseguir fazer um bem casado entre as duas visões deles e trazer a minha contribuição também.

Domingos: E como você vê o curso de viola aqui da Escola [de Música de Brasília], que foi criado em 1985, um dos primeiros numa instituição pública?

Pedro: É, foi o primeiro curso nesses dois módulos de básico e técnico, fundado pelo Roberto [Corrêa]. Logo depois ele convidou o Marcos [Mesquita], que também veio somar aí nesse time. Cara, eu acho extremamente importante. Aqui já passaram violeiros diversos que estão fazendo música por aí, que estão gravando CD, que estão fazendo show. Nem todo mundo ficou muito tempo, formou, concluiu as etapas. Pessoal das duplas aqui de Brasília também, muita gente transitou pela Escola. E todo o material didático que foi criado pelos dois professores, que foi sistematizado, o pensamento de ensino, a parte didática, repertório escrito, várias coisas que são muito importantes pra viola no cenário nacional e principalmente pra cidade, que consegue usufruir desse potencial aí.   (Continua…)