Mariana Mesquita

“Gosto de conviver com a diversidade. Tenho um avô gaúcho, um avô mineiro, um pai carioca… Aprendo muito com isso, de estar aberta a ouvir os diferentes sotaques. Percebo que as pessoas de Taguatinga têm um sotaque diferente do Plano Piloto. (…) Já está criando uma cultura, acho isso muito legal.”

Entrevista com Mariana Mesquita, professora de música e servidora pública, moradora de Águas Claras-DF.

Gravação realizada no Orbis Estúdio, em Vicente Pires-DF, no dia 15 de dezembro de 2019.
Entrevistadores: Domingos de Salvi, Sara de Melo, Daniel Choma e Tati Costa.
Transcrição: Tati Costa. Fotos e editoração: Daniel Choma.

Mariana Mesquita nasceu em Brasília no dia 14 de março de 1980.

 

Domingos: Bom, quero agradecer a atenção desde o primeiro contato que fiz sobre esta entrevista, obrigado mesmo por estar vindo compartilhar com a gente! Mariana, você é natural de onde?

Mariana: Daqui de Brasília. Sou de Brasília, nasci em [19]80 aqui no Plano Piloto. Sou de Brasília mesmo!

Domingos: Na Asa Sul, Asa Norte?

Mariana: Asa Sul, não, Asa Norte, nasci no Hospital Santa Helena lá no final da Asa Norte.

Domingos: E seus pais são de onde?

Mariana: Meu pai é do Rio de Janeiro, mas de família do Rio Grande do Sul. Só que ele acabou nascendo no Rio que meu avô foi trabalhar pra lá e estudar. E minha mãe de Minas [Gerais], Corinto, interior de Minas. Eles se encontraram por aqui.

Domingos: E se conheceram em Brasília?

Mariana: Se conheceram em Brasília, as duas famílias vieram pra capital bem no início da inauguração de Brasília. Meu avô mesmo veio em 1960 pra inauguração. Veio trabalhar em Brasília. Meu avô, pai do meu pai. E um pouco depois veio o meu avô, pai da minha mãe também pra procurar novas oportunidades, numa situação às vezes que não tem oportunidade de estudos pros filhos. Numa cidade do interior que até hoje não tem faculdade. Então veio com essa esperança pra Brasília.

Domingos: E como era essa Brasília da sua infância?

Mariana: Ah, uma Brasília mais silenciosa, menos pessoas. Brincava muito debaixo do bloco, essa expressão… No início, minha primeira infância eu morei no Guará. Eu passo pelo Guará hoje em dia as crianças não estão mais na rua. A gente não vê como eu brincava na rua. Acho que não tem mais a segurança que tinha antigamente. Depois quando eu fui morar na Asa Sul também essa coisa de brincar debaixo do bloco era muito comum nesse início de Brasília.

Domingos: As crianças todas juntas ali brincando?

Mariana: Sim. Era o comum brincar debaixo do bloco, nas quadras, nos parquinhos ali próximo, a criançada toda junta, não tinha celular, não tinha essas tecnologias. O que eu tinha de vídeo game era Atari. Então a gente brincava pouco, era melhor descer pra brincar.

Domingos: Quais eram as brincadeiras que rolavam?

Mariana: Ah, muitas brincadeiras, principalmente jogar bola, queimada, mãe da rua, a gente brincava, coisas assim… Eu sempre fui muito moleca, então sempre gostei de muito movimento. Bambolê, pular corda, amarelinha. Sempre brincadeiras que estava em movimento. Sempre gostei disso.

Domingos: E tinha música nesse contexto já?

Mariana: É, a minha família, principalmente por parte de pai sempre com a música presente. Meu avô sempre foi um ouvinte de música clássica, de óperas, então eu sempre fui uma neta que estive próxima do meu avô ouvindo as músicas com ele. Então acho que dos tantos netos eu sou a que tinha mais o interesse de estar com ele ouvindo. Essa pra mim é uma das influências que eu tenho pra ter vindo estudar música e o meu pai também roqueiro, gostava muito de Beatles, Led Zeppelin e de tudo um pouco, Banda de Pau e Corda, regionalismos também e além do meu tio, que é o Marcos Mesquita, violeiro também, então está sempre tocando, sempre. O Marcos sempre com a viola grudada desde que eu me entendo por gente, a viola está próxima. A música esteve sempre presente na minha vida, desde sempre.

Domingos: E até você chegar em algum instrumento quais foram os caminhos que te levaram?

Mariana: Eu sempre gostei de cantar. Então eu tinha aquele brinquedo, meu primeiro gradiente, cantava o tempo todo, o dia inteiro. Passei pela flauta doce rapidamente na escola, lá com oito anos de idade, mais ou menos. E por volta dos onze anos eu assisti uma aula de piano com a minha prima. Uma aula particular, eu: “Mãe, quero estudar piano, pai, quero estudar piano.” E eu fui estudar piano com a minha prima, com a mesma professora e logo em seguida eu consegui uma vaga na Escola de Música [de Brasília]. E aí comecei a estudar piano, na Escola de Música eu entrei a princípio pra tocar piano que foi o instrumento que me chamou atenção a principio, mas logo não passou muito tempo eu mudei pra viola caipira acho que pela influência do meu tio também, de estar por perto. Aí com quatorze anos eu comecei a tocar viola.

Domingos: Começou cedo na viola!

Mariana: É!

Domingos: Mas qual que foi o start, vou pra viola?

Mariana: Teve um lance da dificuldade que eu tinha de estudar o próprio piano. Meu pai não tinha condições financeiras de comprar o instrumento. É um instrumento caro. Eu tinha um teclado, então eu ficava irritada de tocar num teclado em casa, estudar e ir pra escola tocar num piano, não funcionava. Então chegou um momento que isso ficou crítico. Eu falei: não dá mais, não vou, vou trocar de instrumento. Porque eu não via que eu ia conseguir progredir no piano. E aí falei: “Ah, vou estudar viola porque meu tio já da aula de viola. Eu acho que eu gosto da viola.” Aí eu fui tocar viola na Escola, pedi a transferência de instrumento. Naquela época era possível dessa forma. Troquei de instrumento e fui pra viola caipira. E aí fiquei na Escola de Música [de Brasília] até os vinte e dois anos. Até me formar no curso técnico da Escola de Música.

Domingos: E nesse período você tinha alguma audição de músicas de viola?

Mariana: Tinha, pra eu ouvir, sim, eu sempre… Os alunos tocando, o professor, a gente sempre estava em contato e como o Marcos Mesquita é o meu tio então eu sempre estive muito perto dele. Pra onde ele ia ele me levava. Então nos shows dele eu estava sempre presente tocando também, fazendo participações. Ele me motivando também, me colocando pra me apresentar junto com ele também. Pra eu estar junto e aprendendo. Aprender fazendo, tocando já. Então participei com ele de algumas apresentações, na própria escola e nos shows que ele fazia pela cidade.

Domingos: Aí você acabou virando aluna do seu tio?

Mariana: Sim.

Domingos: Como foi esse período?

Mariana: Foi bem legal porque eu sempre tive uma boa convivência com meu tio, eu achava legal. Foi bastante intenso então eu era a pupila dele. Estava muito próxima, eu ia na casa dele. Porque era mais fácil, vamos dizer assim, como sou sobrinha, estar bem próxima então eu ajudava cuidando dos meus sobrinhos, são mais novos que eu. Tinha essa relação familiar então eu estava sempre por perto. Na escola e na casa dele. E eu também tinha muito tempo disponível. Então era uma época muito legal que eu podia estar todos os dias na Escola de Música. Mesmo quando eu não tinha aula eu estava lá estudando, tocando, ou assistindo outras aulas de viola. Também teve uma época que eu fiz canto erudito. Eu vivia na Escola de Música, era meu reduto. Como eu gosto das duas linguagens, tanto erudita quanto a popular. Então eu sempre transitei pelas duas linguagens com o mesmo amor, amor pela música. Eu gosto de música. Eu amo a viola, mas gosto de música, a música é o que me move.

Domingos: E nesse período que você estudou viola lá na Escola de Música tinha uma demanda grande de alunos de viola? Como era?

Mariana: Sim, sim. Não é um instrumento tão popular quanto violão, quanto violino, que têm uma procura maior, guitarra, bateria. A gente sabe disso, a viola é um instrumento menos conhecido, as pessoas confundem com o violão. A gente explica: “Não, é a viola, é diferente, tem dez cordas e tal…” Mas sempre teve uma boa procura de alunos e esse movimento que os professores da Escola fazem de estar divulgando. Sempre aconteceu, acho que eu estive acompanhando mais o professor Marcos Mesquita, mas Roberto Corrêa também passou por lá na época que eu era aluna. Então sempre existiu esse movimento de estar tocando ali. Eu toquei como aluna e depois como professora pros alunos da musicalização, mostrar o instrumento. Então isso é uma coisa que faz parte até pras pessoas saberem que tem esse curso na Escola, que é um curso gratuito.

Domingos: E a Escola de Música é um lugar incrível, não é?

Mariana: Sim. É uma oportunidade incrível. Eu estudei lá por dez anos da minha vida. Vivi intensamente naquela época o que a Escola de Música podia me oferecer. Então tudo que eu pude fazer. Me formei, fiz todas as matérias da teoria musical, fiz canto coral, fiz a viola, fiz o canto erudito, cantei no coro lírico, no madrigal da Escola de Música. Então eu gostava de estar por lá. Cantei num coro feminino também. Participei de bastantes atividades por lá. A Escola é uma escola pública e oferece oportunidades. Pra quem sabe, pra quem quer aproveitar… Pra mim foi meu caminho, a porta que se abriu pra mim pra música e pra viola também. A Escola de Música continua existindo!

Domingos: Pra você qual a importância da Escola de Música em especial pra viola no Distrito Federal?

Mariana: Ah, de suma importância. Porque é uma escola regular que está ensinando a viola… Professor Roberto Corrêa começou com esse curso lá, o curso já tem trinta anos. Mais de trinta anos que existe o curso de viola caipira. Isso é uma coisa fantástica! Existir um curso regular, livros, escritos a partir do próprio curso de viola da Escola. O Marcos Mesquita publicou um livro. O Roberto Corrêa tem diversos livros publicados. Muito devido a esse trabalho de ensino. Porque os livros viram material de apoio pro professor. Então eu vejo que a Escola de Música é uma referência. Porque como a viola caipira é um instrumento de ensino, como se diz, de pai pra filho, era uma coisa muito informal. O fato de ter o curso regular é muito legal pra divulgar o próprio instrumento e trazer ele pra outras pessoas e trazer outras linguagens pra viola. Ela como um instrumento musical a gente pode tocar o que a gente quiser. É um instrumento e a gente não só a música caipira. Acredito muito nisso.

Domingos: E você foi professora também na Escola de Música?

Mariana: Fui.

Domingos: Como foi esse caminho lá?

Mariana: Foi interessante, foi de muito aprendizado, eu achei muito legal porque o fato de estar ensinando música lá também me movimentar pra estar o tempo todo estudando o instrumento também e a gente se aprimora muito. É muito legal. Ensinar também. Ensinar o instrumento a gente aprende muito. Porque só tocar é uma coisa. Quando a gente tem que ensinar e a gente reduz a velocidade da música e pega, ensina a pegar no instrumento e observar cada movimento do aluno. E a paciência e a dedicação. Eu sou professora, gosto de ser professora. Então aprendi muito e lá na Escola também exerci outras funções, não só professora. Fui coordenadora, supervisora da Escola. Então foram momentos de bastante aprendizado pra mim. Foram três anos que fiquei por lá bem intensos, bem interessantes, eu gostei.
 

Domingos: Interessante que você acaba tendo as duas visões, do lado do aluno, da pessoa que passa os anos estudando e do lado de quem está trabalhando.

Mariana: Sim, também conheci a Escola com outra perspectiva, com certeza. E aí também me coloquei pra auxiliar a Escola também no que ela precisava, não só como professora, mas também outras frentes de trabalho que se apresentam pro professor, principalmente professor da rede pública que tem diversas demandas que a gente precisa atender. Que é legal também, eu acho que a gente cresce muito. E aí fazer um aluno se formar, fazer formatura, tudo isso é muito legal a gente fazer esse movimento.

Domingos: Porque às vezes o aluno chega ali na sala de aula, o professor está ali, mas tem toda uma demanda também que rege isso tudo, não é?

Mariana: Sim. Sim, o professor acaba também atendendo o aluno em diversas coisas, não só a aula de música. Às vezes o aluno precisa até de uma palavra, de um auxílio, isso tudo eu acredito que faz parte da vida, da função do professor também. De às vezes ser um ouvinte ou de dar alguma orientação além da parte artística também. (Continua…)