Gustavo Neto

“Se você tem alguma resistência em relação à viola, não toque. Porque a viola te hipnotiza.”

Entrevista com o músico e professor Gustavo Neto, morador de Taguatinga-DF.

Gravação realizada no Orbis Estúdio, em Vicente Pires-DF, no dia 14 de dezembro de 2019.
Entrevistadores: Domingos de Salvi, Sara de Melo, Daniel Choma e Tati Costa.
Transcrição: Tati Costa. Fotos e editoração: Daniel Choma.

Gustavo Neto nasceu em Brasília-DF no dia 18 de dezembro de 1978.


Domingos:
Gustavo, você é natural de onde?

Gustavo: Eu sou aqui de Brasília mesmo só que segundo relatos oficiais dos meus pais eu fui fabricado em Coromandel, Minas Gerais na terra do poeta Goiá, mas nasci aqui em Brasília.

Domingos: E seus pais são de onde?

Gustavo: Meus pais são de lá, são de Coromandel, mas se conheceram aqui em Brasília, por incrível que pareça, vieram de tão longe pra se conhecer aqui em Brasília!

Domingos: Coromandel é a terra do Volmi [Batista] também…

Gustavo: Terra do Volmi, terra do Clayton Aguiar também, João Renes, que sempre foi uma grande referência pra gente, João Renes e Reny. Também é de lá o João Renes.

Domingos: E na sua época de infância você morava onde?

Gustavo: Eu morei minha vida inteira em Taguatinga. Só que também desde pequeno a gente sempre frequentou Coromandel e lá é uma terra que o pessoal gosta bastante de música. Então ali eu sempre tive contato com música, principalmente as coisas do Goiá. O pessoal lá quando você fala de Goiá é um respeito muito grande. Todo mundo respeita demais e curte muito as músicas dele. E acompanhei também desde pequenininho lá o surgimento da carreira do João Renes. Então ele é meio parente do meu pai e aí desde pequenininho que sou fã e acompanho. E por incrível que pareça o Ênio Lima que eu vim conhecer também tantos anos depois, muito fã do João Renes e Reny, chegou a abrir show pra eles lá em Uberlândia. Então boa parte das influências que eu tenho hoje na música eu tive a primeira vez lá em Coromandel.

Domingos: Então desde criança você tem contato com a música?

Gustavo: É, os meus pais sempre gostaram principalmente de música sertaneja e até já trazendo pro lado da viola. Eu nasci no ano que Zé Mulato e Cassiano gravou o primeiro disco. Foi em [19]78. E quando eu nasci, eu nasci como diz o outro, aos quarenta e oito do segundo tempo. Quando eu nasci meu pai já tinha o disco deles, então foi um dos primeiros discos que eu ouvi na minha vida. Ali com meu pai aprendi a gostar dele. Ouvia muito Milionário e José Rico. Zé do Rancho e Zé do Pinho e essa turma toda aí do sertanejo aprendi desde muito pequeno com meu pai. Minha mãe também gostava, mas meu pai era mais. [Risos]

Domingos: E quando você começa a ver viola? Tinha pessoas que tocavam perto de você?

Gustavo: Com cinco anos de idade meu pai me deu um violão e eu comecei a aprender desde pequeno, sozinho, não fiz aula. E meu primeiro instrumento então foi o violão. Desde pequeno, tocando mais música sertaneja, mas gostava ali de um Roberto Carlos, um Raul Seixas. Aí por volta ali de uns nove, dez anos foi que eu tomei gosto pela viola mesmo, comecei a aprender. Também não fiz aula, nunca estudei. E dali em diante minha paixão pela viola cada vez só aumenta mais.
 

Domingos: Mas como chegou pra você a primeira viola?

Gustavo: Rapaz, é até difícil de falar porque tem umas coisas que você vê que parece que são coisas de Deus mesmo! Eu tive uma oportunidade na época de comprar um instrumento e falei pro meu pai, eu vi uma viola, inclusive é uma viola que hoje ainda tenho essa viola, é uma Tonante. E eu olho pra ela hoje e imagino, pô como é que uma pessoa olha pra uma viola dessa e consegue se sentir atraído. Porque a viola é feia. É feia demais! E eu vi esse instrumento e adorei. Porque eu já ouvi muitas pessoas falando que a viola bem afinadinha você não precisa fazer nada. Só de você fazer um [Dedilha a viola] Você já arrepia e aconteceu isso comigo. Assim, gostava muito de Tião Carreiro e Pardinho também, já tinha tido esse contato primeiro com a viola. Mas no dia que eu vi essa viola numa loja eu fiquei doidinho. Não sosseguei enquanto meu pai não comprou ela pra mim. Aí comecei, só que essa viola é engraçado que ela tinha um problema, a gente afinava e ela não conseguia segurar as dez cordas afinadas. Ela sempre arrebentava a solzinha. Eu não conseguia afinar ela. Então eu gostava de tocar em Mi, até porque pela voz e tal. E eu sempre tocava com a viola com nove cordas. Então isso eu tentava, tal, mas não deslanchei. Eu fui deslanchar acho que com uns quinze, dezesseis anos, que eu comprei uma gianninizinha, que aí eu já conseguia afinar as dez cordas, tocar com todas. Mas sempre me baseando ali principalmente no Zé Mulato e Cassiano e no Tião Carreiro e Pardinho. Depois conheci Goiano e Paranaense, Ronaldo Viola e João Carvalho, João Mulato e Douradinho e por aí vai.

Domingos: Uma escola de viola esses caras…

Gustavo: É uma escola, enciclopédia…

Domingos: Cada um é uma escola…

Gustavo: Exatamente. É engraçado que quando você fala viola caipira você pensa às vezes que é um estilo só, é um jeito só de tocar. Mas cada um desses violeiros que você escuta tem alguma característica diferente. Então por mais que Tião Carreiro tenha sido ali o percussor e criou muita coisa. Todos esses que eu citei aí vieram com coisas diferentes. O Goiano, por exemplo, é um cara que pra mim revolucionou o modo de tocar viola. Mudou muita coisa. Eu gosto muito do Ronaldo Viola também, a gente canta muito a música romântica e eles têm músicas maravilhosas. E o João Mulato, canhotinho, toca de um jeito também que influenciou muita gente e têm uma pegada muito característica. Zé Mulato também. Zé Mulato nosso poeta aí tem um jeito também muito peculiar de tocar viola. Muito baseado lá no Zé Carreiro e Carreirinho. Então eu acho bacana ver que mesmo se falando em viola caipira, mas cada dupla que você analisa tem uma maneira diferente de tocar. Tem alguma coisa a acrescentar.

Domingos: E em Brasília tem bastante violeiro?

Gustavo: Em Brasília de uns anos pra cá tem aumentado bastante. Lógico que quando fala em viola em Brasília a gente automaticamente lembra do Zé Mulato e Cassiano, mas a gente tem o Vanderley e Valtecy que está aí também há muitos anos e tem uma galera boa. A gente já há alguns anos faz parte do Clube do Violeiro [Caipira de Brasília]. E ali cada ano que passa a gente vê surgindo novas duplas. Então mesmo o lado profissional vem aumentando a quantidade de duplas. E muita gente interessada também em aprender a tocar viola. A gente tira aí pelo nosso amigo que até já esteve aqui que é o Wellington Assis, escola Betesda e eu tive a oportunidade de trabalhar com ele lá por um tempo. E é impressionante a gente ver que hoje em dia por mais que você fale: “Ah, a criançada, a juventude está interessada em outros estilos, tudo mais.” Mas aqui em Brasília pelo menos é muita gente que se interessa pela viola. Independente da idade. Então muita gente nova. E isso é bacana que vem aí, se Deus quiser, sempre uma continuidade nesse estilo que é tão bonito, esse instrumento que a gente gosta tanto!

Domingos: E nesse tempo todo a partir dos quinze anos sempre ali em Taguatinga?

Gustavo: Sempre. Morei ali minha vida inteira. Na verdade eu nasci já morei em Taguatinga. Morei por praticamente vinte e cinco anos com os meus pais. Casei, me mudei pra Taguatinga também! [Risos] É uma cidade que eu amo demais e tenho um carinho muito grande. E assim, infelizmente, com exceção ao trabalho da Escola Betesda, é uma cidade que, pelo menos eu acho, tem uma carência muito grande de coisas relacionadas à viola. Não tem muito. A gente até trabalhou muito tempo ali na Casa do Cantador, na Ceilândia. Você vê Planaltina. Brazlândia, a gente tocou muitas vezes nos encontros de violeiros lá. Agora, Taguatinga é engraçado, a viola é difícil de chegar. Apesar do Zé Mulato ter morado muitos anos em Taguatinga, não sei por que não chega com tanta facilidade quanto nas outras cidades satélites.
 

Domingos: E desse seu tempo desde criança, adolescente, pra hoje, Taguatinga mudou?

Gustavo: Ah, mudou bastante. Mudou… Eu venho de uma época que era muito comum você, por exemplo, sair na porta da sua casa, fazer uma fogueira e sentar com a turma lá, tocar violão, tocar viola. Às vezes até amanhecer o dia, em época de férias não tinha problema. E hoje em dia as coisas são diferentes. Até eu tenho um casal de filhos. Uma menina de treze [anos] e um menininho de dez [anos]. É uma luta porque desde pequeno eu vi que eles têm uma inclinação muito boa pra música. Só que a tecnologia atrapalha. A criançada hoje está muito ligada com internet, com celular, com tablet. E lá em casa você chega, tem o meu cantinho lá, tem vários instrumentos e eu falo: “Vocês podem mexer.” Dei um violão pra um. Aí meu filho invocou de querer tocar guitarra, falei: “Não, vou arrumar uma guitarra pra você.” Então sempre tentando colocar eles na música. Só que o celular sempre vence a batalha. Então a grande diferença que eu vejo hoje em Taguatinga e eu acho que não é do Brasil, eu acho que é do mundo. É esse tipo, a atenção das crianças está voltada mais pra tecnologia do que pras coisas simples, aquelas coisas que a gente gostava de fazer. Eu lembro que eu com treze anos, eu tocando com uns amigos na calçada lá na minha casa, tinha jogado futebol descalço, estava com o pé todo sujo. E meu tio, meu finado tio Lazinho me levou num boteco lá perto de casa. Ele falou: “Você é homem mesmo, estou vendo que você toca muito, vamos tocar ali no barzinho.” Falei: “Vamos.” Ele me pegou pela mão e me levou com o violão e eu toquei no barzinho, fiz show lá de chinelo, com o pé todo sujo, com treze anos. Hoje em dia é o tipo de coisa que por mais que a gente imagine eu acho que não dá mais pra acontecer porque mudou muito. Taguatinga cresceu bastante e mudou o jeito de ser. Os meus pais moram na mesma rua que eu morava quando menino. Inclusive é onde eu dou aula, tenho alguns alunos. E não tem mais nada do que era antigamente, mudou demais. A rua tem dia que você passa parece um deserto e na minha época era molecada na rua. Eu tive na época, montei dupla sertaneja, montei banda católica, banda de rock, de reggae. Já toquei de tudo na minha vida. Porque eu sempre fui uma pessoa muito musical. Sempre gostei apesar da música sertaneja e caipira estar em primeiro lugar, mas eu sempre gostei de todos os estilos. E hoje em dia você não vê nada disso. A molecada ali mal sai na rua, não joga futebol… Meu filho pega um instrumento pra tocar, toca cinco minutos: “Ai pai, meu dedo está doendo.” Então está bom, aí larga o violão, a guitarra pra lá e vai mexer no celular. É complicado. Mas eu tenho esperança que isso vai mudar ainda!

Domingos: E você tem alguma relação com o Plano Piloto?

Gustavo: Plano Piloto eu trabalhei, eu sou formado em administração. Então eu trabalhei durante um tempo com administração e eu trabalhei já na 707 Norte, trabalhei no SAAN, no SIA, já frequentei muito aquela região ali. A gente toca, de vez em quando tem alguns eventos por lá. Mas assim, meu contato com o Plano Piloto não é tão grande quanto com as coisas que eu faço em Taguatinga. Tento manter a minha base em Taguatinga. Tudo é por aqui.

Domingos: Quando você começa a ter envolvimento mais profissional com a música? Ou compor, você começou antes?

Gustavo: Eu compus algumas coisas quando era mais novo, mas nada muito com pretensão de gravar nem nada. Era coisa às vezes de extravasar alguma ideia, algum momento da minha vida. Mas como te falei, toquei em vários, fiz vários estilos diferentes e sempre tentando montar uma dupla sertaneja. Eu tive uma dupla com o Alexandre meu amigo, inclusive morou em Taguatinga, acho que hoje ele está em Águas Claras. Cantei com o Paulo, outro amigo meu e fiz várias duplas até chegar no Godoi. Eu conheci ele por um amigo em comum e na época eu tinha acabado a dupla com o Alexandre. A gente é ainda daquela época das fitas cassetes. Então eu gravava, fazia repertório, montava, gravava fita pra gente poder tirar as músicas. E quando a dupla com o Alexandre começou a ficar legal ele desistiu. Aí apareceu o Godoi. Eu não queria montar dupla novamente, mas ele acabou me convencendo… A gente fez a dupla, chegou a gravar alguns programas de rádio, de televisão. E aconteceu a mesma coisa que o Alexandre, chegou um ponto ele falou: ”Não quero mais, isso não é pra mim. Mas eu tenho um cara muito bacana pra te indicar, pra te apresentar…” Que era o Ênio Lima. Eu conheci o Ênio na casa dele, do Godoi, do meu cunhado e a gente cantou lá e começou, como diz o outro, começou a paquerar! E em abril completa doze anos que a gente está cantando junto. Então o trabalho mais profissional mesmo que eu tive já foi com o Ênio porque com Godoi foram programas que a gente gravou, não chegou a gravar CD nem nada. E com o Ênio nós já temos seis CDs gravados, dois DVDs e a gente está fazendo agora o CD de viola. Está gravando. Então é o trabalho que eu considero profissional mesmo é esse com o Ênio, já de quase doze anos. (Continua…)