Carol Carneiro

“Canto na beira da estrada
pra chegar na casa
de quem pra mim é doutor

Eu estou de malas prontas
pro destino, pro divino
Deus me abençoar

Esse é o caminho que eu traço
Eu mesmo corro, eu mesmo acho
Mulher e homem tem seu valor”

(Trecho da música “O fogo e a peneira”, de Carol Carneiro)

Entrevista com a cantora e musicista Carol Carneiro, moradora de Brasília-DF.

Encontro realizado na Fazenda Taboquinha, Lago Sul-DF, dia 12 de maio de 2018.
Entrevistadores: Domingos de Salvi, Sara de Melo, Daniel Choma e Tati Costa.
Transcrição: Tati Costa. Fotos e editoração: Daniel Choma.

Carol Carneiro nasceu em Brasília-DF em 10 de outubro de 1979.


Domingos:
  Carol, em que cidade você nasceu?

Carol:  Eu nasci aqui em Brasília e quando eu tinha três anos, mais ou menos, fui morar em Recife com a minha mãe. Lá eu fiquei até os onze anos. Aí vivi toda aquela cultura lá, muito Alceu Valença, adquiri o micróbio do frevo – que todo mundo fica com uma pilha do frevo –, o temperamento Nordestino também. Até a parte da época da lambada, eu peguei muito esse começo lá, essa animação com as coisas… O carnaval de Olinda, então, nem se fala. Aí pronto. Com onze anos eu fiz visitas em Brasília e comecei a ficar apaixonada de novo pela cidade. Aí falei: “mãe, vamos voltar pra lá, vamos!”, que eu achei muito organizada. Lá em Recife já estava muito suja, aquela época eu comecei a comparar. É claro que assim que cheguei aqui em Brasília eu fiquei doida pra voltar, porque estava com onze anos, era quase adolescente… Mas continuei com a ligação em Recife e continuo ainda. Mas voltei pra Brasília e agora daqui é pra sempre, porque eu gosto muito de Brasília, boa qualidade de vida, de estudo.

Domingos:  E quando você volta pra Brasília, quais foram as principais coisas que te marcaram?

Carol:  Eu lembro que eu gostei muito dessa organização, essa coisa do espaço aberto… O dia a dia muito farto. Eu achei mais tranquilo. Mesmo quando eu era criança, adolescente. É um espaço novo, eu estava crescendo. Eu cheguei com onze [anos] e comecei a estudar violão. É aquela história, muitas vezes a gente pega o violão e vai pra viola. Acho que a maioria das pessoas, hoje em dia, fazem essa passagem. E aí comecei com o violão e peguei gosto de estudar, repertório, aquela coisa. Em 1999 eu fui pra Escola de Música [de Brasília]. Entrei e o violão estava difícil de conseguir, porque era muita demanda, violão é muita demanda. E aí tinha viola caipira lá, aulas de viola caipira. Falei: “ah, vou ter que aprender vários acordes sempre e a mão direita é muito importante pros instrumentos de cordas dedilhadas”. Então eu só peguei o que eu tinha do violão e procurei levar pra viola. Mas o que é um marco foi essa passagem que eu tive dos treze aos dezenove, tocando, fazendo conjuntinhos de rock pop em Brasília, mais informal, de garagenzinha, de chácara – chacrinha, na verdade, que eu moro aqui no mato. Mas aí entrei na Escola de Música em 1999, e a coisa começou. Eu fiz uma viola com o ADEN [Violas Aden], uma violinha. E daí pra frente agarrei na viola e até hoje eu fico com essa minha história aí com a viola. Trazendo uma história que eu vivi lá em Recife, as músicas de festa, frevo, o forró, a música brega, que tem muito lá, Reginaldo Rossi, a lambada, essas coisas. Pego e tento sintetizar no meu instrumento aqui em Brasília, que é a minha identidade, ligada ao Nordeste. Ainda gosto de pesquisar outras regiões, mas eu realmente tenho uma coceirinha pelo Nordeste mais forte!

Domingos:  E a viola, quando você começa? Você passa a tocar viola na Escola de Música [de Brasília] ou já tinha tido um contato antes?

Carol:  Em 1999 eu fui chamada pra tocar num grupo de forró, “As minas do rei Salomão”. Eu conhecia só umas duas pessoas, mas falei: “ah, vamos!” A banda já estava tudo certo, sabe? Eu estava ainda dando os primeiros passos, e aí teve essa banda, fiquei mais ou menos uns seis meses. Mas deu aquele pontapé no forró, que a banda era de forró, “As minas do rei Salomão”. A gente tocava, a mulherada. Eu toquei baixo porque minha viola não estava amplificada ainda, aí eu peguei um berimbau lá de quatro cordas e toquei. A partir daí ficou essa minha vontade de fazer um grupo de forró e tudo. Deu um tempo, fiquei na Escola de Música e tudo mais. E depois desse tempo todo, em 2004 é que eu resolvi fazer meu grupo mesmo assim. Em 2004, não. Em 2004 eu retornei pra Escola de Música, que eu tranquei um tempo… Em 2007 eu fui formar meu primeiro grupo de forró [Roda na Banguela], forró pé de serra e cultura popular. Como o Pé de Cerrado, que também tem aqui, essa linha de ciranda, maracatu, frevo, quadrilha, coco de embolada, sambas. E a gente abraçou essa ideia de fazer música de festa, São João também que era um mote mais forte pra gente. [Era muito comum fazermos cortejos onde tocávamos músicas folclóricas populares]. Todo mundo aqui levava umas alfaias, um caxixi [instrumentos percussivos em geral e pifs também] – e eu nessa hora não levava muito a viola -, mas a gente ia num cortejo pra depois plugar as coisas e tocar o forrozão pro grande baile. Então com essa banda eu pude fazer tudo isso.

Domingos:  E aí você já começou a compor nessa época, como foi?

CarolSim, eu tinha algumas letras. Desde 2009… Nossa como o tempo passa! 1999! 1999! [Risos.] 1999 foi quando eu entrei na Escola de Música. Comecei a escrever nesse ano, comecei a pegar a viola. Então, com a banda, com o suporte da banda, com as harmonias e os vocais – que meus amigos também queriam cantar -, a gente foi arranjando, eu fui fazendo as melodias, as letras foram se alinhando. Então com certeza foi aí que eu comecei a dar um corpo pra minha música autoral mesmo. Assim, minha primeira composição [pronta com letra, música e arranjo] com certeza foi em 2007, que é o ano da “Roda na banguela”.

Domingos:  Você lembra de alguma música desse período aí?

Carol:  Desse período sim, tem o “Canto novo”. “Canto novo” é que tem a ver com os cantos dos passarinhos. É uma música leve, mas que foi num período difícil… Mas ela me fez ficar num estágio um pouco mais terreno, que é o “Canto novo”. Sempre quando eu vou tocar, ou sozinha ou em grupo, eu peço pro pessoal fazer os assoviozinhos. Esse é o Canto Novo, o canto que chama o canto interior, infantil, primitivo, aquele primeiro olhar…

[Assovia, depois toca na viola caipira e canta a música “Canto Novo”, de sua autoria]:

Lelelerererei, iereiereiereie, Lelelererereie, iereiereiereie.
Lelelerererei, iereiereiereie, Lelelererereie, iereiereiereie.

Na casa de sertanejo
Sempre canta o passarinho
Que de noite fecha o olho
Pra enxergar seu destino

A força no peito cresce
Não demora a esperar
Alegria que merece
Da lavoura semear

Passarinho vem de longe
Vem cantar nesse lugar
Sentimento mais puro
Vem meu coração tocar.

Passarinho vem de longe
Vem cantar nesse lugar,
Sentimento mais puro
Vem meu coração tocar.

Lelelerererei, iereiereiereie, Lelelererereie, iereiereiereie,
Lelelerererei, iereiereiereie, Lelelererereie, iereiereiereie.

Na casa de sertanejo
Sempre canta o passarinho
Que de noite fecha o olho
Pra enxergar seu destino

A força no peito cresce
Não demora a esperar
Alegria que merece
Da lavoura semear

Passarinho vem de longe
Vem cantar nesse lugar
Sentimento mais puro
Vem meu coração tocar

Passarinho vem de longe
Vem cantar nesse lugar
Sentimento mais puro
Vem meu coração tocar…

Lelelerererei, iereiereiereie, Lelelererereie, iereiereiereie,
Lelelerererei, iereiereiereie, Lelelererereie, iereiereiereie.

CarolEsse é o Canto novo. Eu compus no Ceará, até foi com uma viola emprestada, eu levei pra varandinha… Lá no Ceará, na praia do Futuro. E aí veio a música. Mas eu não tinha o título dela, aí eu falei pra minha mãe pra ela me dizer o nome, que eu respeito a opinião da mãe e eu sabia que ia ser um bom título. Aí ela falou: “ah, bota ‘Canto Novo’”. Aí eu falei “nossa, nada a ver, mas tudo a ver!” Canto novo, poxa, tinha tudo a ver, como foi a sacada dela de chamar de “Canto novo”… Então pronto, surgiu essa música. É a primeira composição que teve da “Roda na banguela”, aí o arranjo foi se construindo aos poucos, coletivamente.

Domingos:  E essa questão de compor utilizando a viola. A composição fluiu mais com a viola ou com o violão você também compõe, como é?

Carol:  É, eu acho que a viola, ela… Você que é violeiro, você sabe que ela tem uma… Ela estimula as possibilidades de uma pessoa comum, assim como a gente, compor, e estar feliz, estar satisfeito. Esse acorde aberto sempre me deixou muito inspirada, porque o violão eu achava um pouco complicado pra falar a verdade. Para compor, ele dava uma segurada. E aí na viola eu compus e componho até hoje 90% das minhas músicas. As duplinhas, as vozes… Como a viola tem essa coisa dos vocais, as terças, as quintas, me inspirou até pros arranjos, as percussividades que ela tem. E com certeza ela é que abre a minha porta. Eu sou uma cantora, eu sempre fui cantora, eu sempre gostei muito de cantar. Mas eu sou uma cantora com a viola, não consigo me ver sem a viola. Então ela me possibilita ser independente também. Claro que eu gosto de tocar em grupo, adoro, mas nem sempre é possível a gente estar com um grupo. E ali eu vou fazendo minhas histórias, é o meu reflexo da minha vida ou de alguma coisa que surge. O mundo, não só na música, mas como ser humana… Eu vou fazendo essa minha história escrita na viola, nas cordas da viola.

Domingos:  Como que é tocar a viola em Brasília, as pessoas têm uma identificação com o instrumento?

Carol:  Eu acho que a viola ela é muito respeitada no DF por conta das origens da cidade. Então respeita, muito embora todo mundo relacione ela muito à música caipira – essa angulação ela é corrente. Mas sempre que eu chego as pessoas têm um fascínio com a viola, as modas. É, como se fala, é um coração. A viola, ela carrega um coração único. Então eu vejo muito em Brasília. Afora os espaços, que a gente demora pra chegar nas pessoas, que são longos… Mas tem sido muito bem aceita e é um terreno fértil pra expansão. Porque tem o violão e tudo, mas tem a sanfona que toca o forró pé de serra… Então eu entro muito nessa coisa do trio, música de festa e assim eu vou trazendo essa nova identidade. Nova não, porque a viola sempre foi, ela é considerada também como formadora de um trio pé de serra [geralmente associado à formação musical de triângulo, zabumba e sanfona] também. Tem a rabeca e a sanfona, só que a sanfona, ela é uma orquestra, ela tem uma história também até pelo Luiz Gonzaga, que foi o grande gênio do forró. E a sanfona, trouxe a característica [do forró pé de serra] e fincou forte. Então, falando da viola em Brasília, ela está fincando. E já tem muitos músicos aqui como o Cacai Nunes, o Fábio Miranda, o Pedro Vaz, o Marcos Mesquita que já é um grande mestre, o Roberto Corrêa e outros mestres também.

Pensando aqui muito no DF, que é com quem eu tive mais contato, essa turma assim está ralando aí, suando. Então a gente está bem unido. O Chico Nogueira também é um super parceiro que a gente tem até se encontrado mais. E é isso, é pra quem quer arregaçar as mangas, pra quem quer batalhar uma história, fazer uma coisa diferente, respeitando a tradição. Claro, é sempre bom estar emergido na tradição e retornando também. Entrar e sair com outras coisas. Mas é um espaço muito, muito, muito frutífero aqui em Brasília, e ainda acho que a gente pode ficar mais. Fiquei muito feliz quando você veio falar comigo. Falei: “poxa, ele está comprometido mesmo, esse aí está, é em cordas de aço, é casamento.” Então eu acho lindo isso aí que você está fazendo. Muito, muito, muito bom mesmo, agora é só continuar em frente e agarrar forte mais ainda, sempre.  (Continua…)