“A primeira coisa que minha mãe me ensinou foi fazer trancinha. Se fazia errado, ela vinha:
– Desmancha, sua burra!
E começava de novo: o de baixo, o de cima,
de baixo, de cima… Faz assim a trança!
Se fazia errado, ela metia a mão na cara:
– Desmancha de novo!
E assim a gente ia…”
Joana Iraci Nunes,
rendeira da Ilha de Santa Catarina.
Entrevista realizada em 24 de julho de 2013
no Rio Tavares, Florianópolis – SC
POR TATI COSTA, JULIANA ACHCAR, SIGVAL SHAITEL E DANIEL CHOMA | ACERVO: CÂMARA CLARA
TATI – A senhora nasceu aqui, no Rio Tavares?
JOANA – Sim, nasci aqui. Nasci em casa!
TATI – Foi nessa mesma casa?
JOANA – Não, naquela casinha ali da frente, aquela verde.
Só que era outra casa, feita de estuque, não era casa assim. Era uma casa que a gente passava muito frio. Imagina, nesse inverno agora, a gente botava trouxa de pano e papel pra tampar os buracos porque era muito frio. Caía o barro e a gente era obrigada a tampar por causa do frio. E o chão era só barro puro, socado. Meu pai socava e ali era só barro, não tinha assoalho.
TATI – Seu pai e sua mãe eram daqui também?
JOANA – Daqui também. Foram criados, nascidos e morreram aqui mesmo.
TATI – Como é chamado aqui, é Lagoa?
JOANA – Não, o bairro, desde quando nos criamos, estou com 59 anos, toda vida aqui era Rio Tavares, sabe? Cada pedaço de lugar tinha um nome.
O Rio Tavares começava dali da ponte até o Porto da Lagoa. Incluso o Porto da Lagoa, que vai pro Canto e que vai pra Rua Osni Ortiga: até ali era o Rio Tavares. Agora: Cachoeira, Fazenda da Cachoeira, tudo eles dizem que é Rio Tavares. Aqui agora diz também que é Rio Tavares, então a gente não sabe mais nada, porque Cachoeira não era Rio Tavares, era uma Cachoeira que tinha, era mangue.
TATI – Onde fica, mais ou menos?
JOANA – Fica mais ou menos depois da ponte pra lá. Aquilo tudo ali era mangue e a gente passava a pé porque os caranguejos atravessavam a rua. Só que não comia aqueles caranguejos ali, a gente passava por cima. Não era de carro porque quase não existia, passava a galhota, carreta, carro de boi.
Nossos tios iam vender leite, a gente ia com eles, ou então pra ir ao médico, pegava o ônibus lá na Costeira, ônibus tinha só lá. Tenho até uma cicatriz na perna, quando cortei a perna fui de galhota do meu tio, de lá a gente pegou um ônibus e fomos até o centro da cidade. Porque não tinha como a gente locomover de carro, era de carreta, de carroça ou de carro de boi. Isso que era nossa condição.
TATI – Essa galhota que a senhora diz eu não conheço…
JOANA – É um cavalo puxando e tinha a boleia – que diziam. [Indica com gestual] O dono vinha aqui e nós íamos do lado da pessoa: do tio ou primo, de parente, ou avô, a gente ia aqui do ladinho, ia tudo apertadinho. Era assim, muito engraçado!
Atrás ia vazio, só balançando porque a estrada era de chão, era só buraco. Eles livravam dos caranguejos, a maré estava cheia porque ali tudo era mangue. E aquelas raízes que tem, bem grandes, no mangue, ali os caranguejos ficavam, ali não tinha casa. Depois que pegaram os terrenos e foram fazendo casas, mas não tinha nenhuma casa ali.
A gente passava tudo a pé ou de galhota. Era assim: não tinha casa. Por isso que é tudo pessoal de fora que mora ali, não são nativos daqui. Os nativos daqui moram na beira da estrada e o pessoal de fora que moram dali pra lá e tomaram conta dos terrenos. Porque ela é comprida. Tudo tinha nome!
Esta conversa continua!
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Joana Iraci Nunes, ou clique aqui para baixar a Ficha de Entrevista com o resumo dos principais temas abordados.
Abaixo, vídeo com trechos do encontro.
Ficha Técnica Local da entrevista: Residência da entrevistada, Rio Tavares, Florianópolis-SC. Data: 24/07/2013. Participantes: Tati Costa (entrevista); Juliana Achcar (entrevista); Daniel Choma (câmera); Sigval Shaitel (captação de som). Projeto de origem da entrevista: Oficina Intergerações. Parcerias do projeto: Barca dos Livros. Produção Oficina Intergerações (2013) e acervo: Câmara Clara – Instituto de Memória e Imagem. Transcrição da entrevista para projeto Memória Rendeira (2021): Tati Costa | Editoração: Daniel Choma Trilha musical do vídeo: Domingos de Salvi | Montagem: Daniel Choma | Pesquisa e Produção: Tati Costa Programação do site: André Bets