“Meu amor ficou de vir,
é tarde não aparece.
Coitadinho, mora longe,
no caminho ele anoitece.
Meu galho de malva,
meu manjericão.
Dá três pancadinhas
no meu coração.”
Versos de ratoeira entoados por Vandina de Souza Amorim Barros (Mulata),
rendeira da Ilha de Santa Catarina.
Entrevista realizada em 17 de fevereiro de 2018
no Ribeirão da Ilha, Florianópolis – SC
POR TATI COSTA E DANIEL CHOMA | ACERVO: CÂMARA CLARA
TATI – A senhora nasceu aqui, na Freguesia do Ribeirão da Ilha?
MULATA – Sim, eu nasci onde é o Centro Social. Nasci e me criei ali, era a casa da nossa avó. Naquele tempo não tinha Centro Social, só tinha o grupo na frente. Tinha uma chácara atrás de tudo quanto era fruta.
Criamos ali, minha mãe viúva, com três filhas. Meu pai morreu em Blumenau, ninguém sabia que ele tinha morrido, lá mesmo se enterrou. Minha mãe ficou com nós, três filhas, a Valda, a Vanda, que já faleceram e eu…
TATI – Essa casa que a gente está hoje, a senhora veio pra cá quando?
MULATA – Faz mais de 60 anos que moro aqui.
TATI – Foi quando a senhora se casou?
MULATA – Não, foi depois. Fui morar no Rio Grande do Sul. Fui com dois filhos, voltei com três. [Risos] Aí vim morar aqui, minha sogra comprou com meu marido. Minha sogra já faleceu.
DANIEL – Quem está nessa foto?
MULATA – É minha tia aqui da frente, o nome dela é Maria. A outra é Leonor, essa aqui é a Zilda, também já é morta, aqui na frente… Elas estão vendo a procissão. Naquele tempo era muita pobreza, minha filha. Não era como hoje. Hoje as moças trabalham na cidade, têm emprego, naquele tempo não tinha nada disso. Era raspar mandioca, apanhar café e fazer renda.
MARISA – A senhora faz renda desde que idade, mãe?
MULATA – Desde sete anos. Tinha sete anos quando minha mãe me ensinou a fazer renda.
MARISA – E quantos anos tens agora?
MULATA – Vou fazer noventa anos, estou com oitenta e nove.
Naquele tempo da miséria nós vínhamos da escola, minha mãe dava uma coisinha, o que tinha pra comer. A gente naquele tempo usava vestidinho com a combinaçãozinha por baixo. Tirava o vestido, ficava com a combinação, ia fazer renda no quintal, debaixo do cafezeiro, por causa do calor.
Minha mãe botava uma esteira debaixo do cafezeiro e nós sentávamos tudo fazer renda ali. Eu adoro fazer renda. Essa filha nunca quis fazer, ensinei, tenho outra chamada Luciana, ensinei também, não quis aprender. Agora, faz crochê que é uma beleza! E eu não consegui aprender crochê. Coisa boa fazer renda, não é?
TATI – Que tipo de peça é essa que a senhora está fazendo?
MULATA – Essa aqui é Ceará.
MARISA – Ceará em metro.
MULATA – Agora vou fazer um voltadinho aqui, quer ver? Vou fazer esse giro aqui, olha… Vou fazer a perninha cheia pra tu ver.
TATI – Foi difícil aprender?
MULATA – Foi, apanhei muito na mão. Quando aprendeu a fazer renda, a gente primeiro aprendeu a fazer a trancinha, essa aqui, sabe? Depois de fazer a trancinha é que minha mãe foi ensinar a fazer rendinha de metro. Todo mundo aqui só fazia essas coisas.
Esta conversa continua!
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Abaixo, vídeo com trechos do encontro.
Ficha Técnica Local da entrevista: Residência da entrevistada, Freguesia do Ribeirão da Ilha, Florianópolis - SC. Data: 08 de dezembro de 2011.Ficha Técnica Local da entrevista: Residência da entrevistada, Ribeirão da Ilha, Florianópolis-SC. Data: 17/02/2018. Participantes: Tati Costa (entrevista e captação de som); Daniel Choma (câmera). Marisa, filha de Dona Mulata, acompanha a entrevista. Projeto de origem: Ribeirão Foto Sensível. Parcerias do projeto Ribeirão Foto Sensível: Ecomuseu do Ribeirão da Ilha; Sociedade Musical e Recreativa Lapa; Conselho Comunitário do Ribeirão da Ilha; Grupo de Idosos do Conselho Comunitário do Ribeirão da Ilha; Escola Estadual EEB Dom Jaime de Barros Câmara; Paróquia N. Sra. da Lapa (Matriz da Freguesia do Ribeirão da Ilha); Casa da Memória (Fundação Franklin Cascaes); Setor de Coleções Especiais, Biblioteca Universitária, Campus Florianópolis (UFSC); Museu de Arqueologia e Etnologia Professor Oswaldo Rodrigues Cabral (UFSC); Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sup. em Santa Catarina); Fundação Catarinense de Cultura; Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte - Governo do Estado de Santa Catarina; Secretaria da Cidadania e Diversidade Cultural; Ministério da Cultura - Governo Federal. Produção do projeto Ribeirão Foto Sensível (2018) e acervo: Câmara Clara – Instituto de Memória e Imagem. Transcrição da entrevista para projeto Memória Rendeira (2021): Tati Costa. | Editoração: Daniel Choma. Trilha musical do vídeo: Domingos de Salvi | Montagem: Daniel Choma | Pesquisa e Produção: Tati Costa Programação do site: André Bets.