“Ratoeira não me prenda,
que não tenho quem me solte.
A prisão da ratoeira,
é como a hora da morte.
Vi dizer que vais embora,
Deus te dê boa viagem.
Dentro do meu peito fica,
retrato da tua imagem”
Versos de ratoeira entoados por
Justina Luiza Silveira (Ondina),
rendeira da Ilha de Santa Catarina.
Entrevista realizada em 18 de abril de 2013
na Armação do Pântano do Sul, Florianópolis – SC
POR TATI COSTA E DANIEL CHOMA | ACERVO: CÂMARA CLARA
ONDINA – Desde o começo, de criança, que comecei a cantar a cantoria do Divino. Eu comecei a cantar a cantoria do Divino com treze anos. A gente trabalhava na roça, morava lá no Sertão do Ribeirão… A gente morava naquela descida do Sertão do Ribeirão, à esquerda tinha um atalho, agora fizeram uma estrada, mas antes era estrada de chão. Eu tinha treze anos, um senhor vizinho do meu pai foi pedir se ele deixava eu cantar a cantoria do Divino porque não tinha quem cantasse.
A cantoria do Divino são três vozes, é a primeira, a segunda e a terceira. Eu fazia a terceira voz, é a voz mais alta que tem. Eu tinha treze anos. Era um senhor já de idade, ele foi na casa do meu pai pedir se meu pai deixava eu cantar essa cantoria. Ele sempre andava com as bandeiras nas portas. No sertão a gente tirava três dias: sexta, sábado e domingo. Dava bastante gente, tinha gente da cidade, da Barra do Sul, da Tapera, sábado faziam sacrifício de ir e todo mundo acompanhava a bandeira do Divino.
Era com cantoria, a gente ia nas casas, cantava no Sertão de Dentro, que era onde eu morava, Sertão de Cima e Sertão de Baixo, Peri de Baixo e Peri de Cima. Era tudo um lugar só, mas todo lugarzinho pequeninho tinha nome. A gente ia cantar cantoria do Divino. Meu pai falou pra ele: “- Eu não sei se ela vai cantar, porque ela nunca cantou, está com treze anos, é uma guria nova.” Ele falou: “- Não, mas vamos ensaiar.” Isso aí foi de noite, a bandeira estava na casa dele, ele já queria tirar com a bandeira e começar a cantar.
É assim, tudo por Deus, tudo porque a gente gostava, cantava muito nas roças, nos cafezeiros apanhando café. Aí foi uma alegria pra mim. Na casa dele estava também um outro senhor. Ele tocava tambor e tirava verso e o outro senhor tocava violão. Aí ele tirou os versos, cantei e a gente cantou, parecia que eu já estava cantando há muito tempo. No outro dia a gente saiu pra cantar nas casas. No Peri de Baixo, Peri de Cima, Sertão, Sertão de Dentro, cantando nas casas todas.
A gente chegava, entrava, pedia licença, em cantoria, entrava nas casas já cantando. Aí eles davam oferta pra gente, faziam promessa pro Divino Espírito Santo, se uma pessoa ficava doente, naquela época não tinha médico, as pessoas ficavam dentes e se pegavam muito com Deus, Divino Espírito Santo. Se fizesse milagre daquela pessoa ficar boa, quando a bandeira passasse na porta, vendiam massa, boneco de massa, ou perna, ou cabeça, o que fosse o problema que a pessoa tinha.
Ou se era um animal, um boizinho de massa, um cavalinho de massa. Ia na Freguesia do Ribeirão, onde tinha padaria, faz muitos anos isso, estou com sessenta e sete anos, você vê, eu tinha treze. A gente ia lá, falavam pro padeiro fazer aquela massa, eles traziam e botavam na sala, os foliões. A gente cantava agradecendo aquela massa e eles arrematavam ali.
Aquele dinheiro era um saquinho vermelhinho com um cordãozinho. Naquela época a gente saía com as bandeiras nas portas, a salva ficava com um monte de dinheiro assim. Aí tinha o irmão do Santo, um senhor vestia a roupa do Divino Espírito Santo, não sei se tu já viu na festa, eles ainda usam, um tipo de um roupão por cima deles.
A roupa dos foliões e dos encarregados da bandeira também. Aquele dinheiro todo eles contavam, amarravam com um lastrozinho e botavam tudo naquele saquinho vermelhinho.
Quando terminava de tirar esses três dias, pegava a bandeira e levava lá na Freguesia do Ribeirão, aí entregava aquele dinheiro, contava tudo na frente do senhor que tinha lá na Freguesia do Ribeirão, entregava bandeira pra eles. Ele contava o dinheiro, estava certinho, a pessoa não ficava com um centavo daquele dinheiro.
Esta conversa continua!
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com a íntegra da entrevista com
Justina Luiza Silveira (Ondina), ou clique aqui para baixar a Ficha de Entrevista com o resumo dos principais temas abordados.
Abaixo, vídeo com trechos do encontro.
Ficha Técnica Local da entrevista: Ponto de Cultura Baleeira, Armação do Pântano do Sul, Florianópolis - SC. Data: 18/04/2013. Participantes: Tati Costa (entrevista e captação de som); Daniel Choma (câmera). Projeto de origem da entrevista: Foto Sensível Armação. Parcerias do projeto Foto Sensível Armação (2013): Câmara Clara, Ponto de Cultura Baleeira - Instituto 3 Vermelho; FUNARTE; Mais Cultura, Cultura Viva, Secretaria da Cidadania e Diversidade Cultural, Ministério da Cultura, Governo Federal. Transcrição da entrevista para projeto Memória Rendeira (2021): Tati Costa | Editoração: Daniel Choma Trilha musical do vídeo: Domingos de Salvi | Montagem: Daniel Choma | Pesquisa e Produção: Tati Costa Programação do site: André Bets