“Todas nós da comunidade, quando a gente tinha sete anos, começava a fazer renda pra trabalhar. Então nossas mães, como eram habilidosas, elas tiravam aquela pontinha da bananeira bonita que tinha, bem fininha, e a gente limpava. Como o bilro a gente tinha com abundância, a gente enchia nossos bilrinhos com a folhinha da bananeira e começava a fazer a renda. Pra não gastar o alfinete elas iam na laranjeira, tiravam aquele espinho da laranjeira, limpavam bem e a gente começava a aprender a fazer renda.”
Leonícia de Ávila Duarte,
rendeira da Ilha de Santa Catarina.
Entrevista realizada em 12 de abril de 2013
na Armação do Pântano do Sul, Florianópolis – SC
POR TATI COSTA E DANIEL CHOMA | ACERVO: CÂMARA CLARA
TATI – Como a senhora aprendeu a fazer renda?
LEONÍCIA – Não era só eu, era todas nós da comunidade, quando a gente tinha sete anos começava a fazer renda pra trabalhar. Então nossas mães, como elas eram habilidosas, elas iam na bananeira, tiravam aquela pontinha da bananeira bonita que tinha bem fininha e a gente limpava.
Como o bilro a gente tinha com abundância, a gente enchia nossos bilrinhos com a folhinha da bananeira e começava a fazer a renda. E também pra não gastar o alfinete elas iam na laranjeira, tiravam aquele espinhosinho da laranjeira, limpavam bem e a gente começava a aprender a fazer renda. Trocava os bilros, elas ensinavam, um pra lá e outro pra cá e outro pra cá assim [Demonstra].
Isso é o trocar dos bilros. Um pra cá, esse vem praqui e esse volta pra lá. Aqui já está fechando, já está formando uma trança. Tanto faz uma trança como faz uma perna cheia. Essa aqui é uma trança que a gente faz e aqui a gente faz a perna cheia. Aí a perna cheia é um só que corre. Então a gente começava a aprender a fazer as rendas. Depois da gente saber fazer a renda, a gente ia começar a fazer com a linha e com o alfinete.
Elas tiravam um pedacinho de renda, como eu tenho ali… A gente fazia só que tinha biquinhos. E a gente começava a fazer pra nós mesmas botar nas nossas roupinhas. A gente antigamente usava duas peças, uma pecinha por dentro que chamava-se a combinação e depois botava o vestidinho por cima. Então a gente já começava a botar nas nossas roupinhas pra fazer bonitinho.
Depois que a gente cresceu, já queria vender as rendas pra fora, para uma senhora que comprava nossas rendas. Então a gente já fazia em metro. Fazia cinco metros de renda, às vezes fazia dez metros de renda, conforme as moças queriam que a gente fizesse. E naquilo ali a gente já vendia pra comprar nossas roupinhas, pra gente trabalhar, já começar a adquirir o que era nosso com as nossas próprias mãos.
Depois a gente já começou a ir pra aula e quando chegava à tarde a gente fazia renda. Ia de manhã pra escola e à tarde fazia renda. E se ia à tarde, de manhã a gente fazia renda.quando maior mais bilros leva. Então é assim, larga dois e pega dois, fica sempre com quatro na mão fazendo, sempre assim.
Se a gente fazia renda de tarde, nossas mães davam uma tarefa pra nós da renda. Por exemplo, diziam assim: “- A renda estava aqui, tu tens que fazer até aqui. Termina na hora que tu terminar, mas eu quero bem feita. Se estiver mal feita tu tens que desmanchar tudo.” Então a gente fazia e olhava, se tinha alguma coisinha errada a gente desmanchava pra fazer bem feita.
Na hora que terminava a gente ia se juntando todas pra brincar num terreiro de uma casa só. As casas eram todas pertinho e a gente ia brincar depois da tarefa estar pronta. E antes disso também a gente recolhia as roupas das nossas mães que estavam na rua, não tinha varal. Nossas mães colocavam as roupas nas árvores, cada árvore tinha um pauzinho e nossas mães colocavam uma blusa, uma calça… Não era varal como hoje. Era nas árvores que nossas roupas eram secas. Então a gente recolhia aquelas roupas das nossas mães, botava todas em cima da mesa, a gente dobrava e depois guardava.
E também ia na fonte de água, que era longe. Eu morava no Pântano do Sul. A gente ia da minha casa (…) com duas panelas na mão, porque ninguém podia com pote nas costas. Pote você sabe que é de barro. Então a gente ia com aquelas duas panelas, ia na fonte pegar água pra encher os potes da nossa casa, das nossas mães, porque elas também estava fazendo renda pra adquirir a comida. Então a gente enchia a casa com os potes de água e depois que a gente ia brincar. Era todas as meninas assim.
Esta conversa continua!
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Abaixo, vídeo com trechos do encontro.
Ficha Técnica Local da entrevista: Ponto de Cultura Baleeira, Armação do Pântano do Sul, Florianópolis - SC. Data: 12/04/2013. Participantes: Tati Costa (entrevista e captação de som); Daniel Choma (entrevista e câmera). Projeto de origem da entrevista: Foto Sensível Armação. Parcerias do projeto Foto Sensível Armação (2013): Câmara Clara, Ponto de Cultura Baleeira - Instituto 3 Vermelho; FUNARTE; Mais Cultura, Cultura Viva, Secretaria da Cidadania e Diversidade Cultural, Ministério da Cultura, Governo Federal. Transcrição da entrevista para projeto Memória Rendeira (2021): Tati Costa | Editoração: Daniel Choma Trilha musical do vídeo: Domingos de Salvi | Montagem: Daniel Choma | Pesquisa e Produção: Tati Costa Programação do site: André Bets