“Nos reuníamos quatro, cinco moças, na sala. Morava na beira da praia e a nossa casa era uma casa antiga, com três janelas na frente, então ia todo mundo ali para a casa da Sinhá Lóca fazer renda. O meu pai, da janela, via a tainha passar na quebra do mar…”
Florentina Olina Coelho,
rendeira da Ilha de Santa Catarina.
Entrevistas realizadas em 04/07/2012 e 13/04/2017
na Armação do Pântano do Sul, Florianópolis – SC
POR TATI COSTA E DANIEL CHOMA | ACERVO: CÂMARA CLARA
TATI – Antes da senhora começar fazer a renda, como a senhora se prepara?
FLOR – Tenho o costume de me benzer [Sorri] Me benzer, porque sou muito católica, então gosto de me benzer e depois me sento na renda. Só que eu quase não faço renda de dia. Só quando está chovendo, porque eu sou uma pessoa que gosto muito de trabalhar, caminho, vou na praia. Aí não tenho tempo de fazer renda de dia, faço só renda de noite! De dia, só quando está chovendo, que eu não posso andar.
Porque eu gosto de andar! Caminhar… Hoje levantei cedo, era seis e meia, já lavei roupa, já botei roupa no pátio, já torci roupa, já botei lixo para a rua, já fiz um monte de coisa… Agora estou fazendo renda porque vocês estão aqui, porque senão eu ia dar minha caminhada até lá nos pescadores, na praia, mas eu faço renda desde os sete anos, desde pequeninha, já estava o lado da minha mãe fazendo renda.
TATI – Quem lhe ensinou?
FLOR – A minha mãe. Naquela época meu pai era pescador, a gente passava muita dificuldade, como hoje a gente passa também, mas hoje está melhor de viver, naquela época não. Tinha fartura de coisas mas não tinha dinheiro… A gente trabalhava na renda. O meu enxoval de casamento foi todo comprado com dinheiro de renda. A loja da família Cherem, eu fazia renda para ela e ela trazia os panos para fazer o enxoval do casamento: lençol, fronha, tudo para o casamento. Tudo com o dinheiro de renda.
Agora, hoje, a renda não tem mais preço… Tem gente aí que até deixou de fazer renda. Eu faço porque gosto de fazer renda, é bom para a cabeça. Já estou com 76 anos, então é a minha distração, a renda. Mas tem gente aí que não faz mais porque diz que não convém, a linha está muito cara e não adianta fazer renda que a renda não tem preço.
TATI – Essa que a senhora está fazendo é encomenda?
FLOR – Essa aqui é, minha sobrinha falou que queria comprar. Ela já comprou dois trilhos meus. Eu tanto faço desta aqui como faço de uma miudinha. Uma bem miudinha de perna cheia. Eu vou dar aula lá no Pântano do Sul, de renda de perna cheia, não dessa. Porque essa daqui elas já sabem, elas querem uma outra que eu faço que é bem miudinha, depois vou buscar para vocês verem. Chama-se a renda do Ceará, renda do arco.
Essa aqui é a tramóia, essa aqui leva menos bilro. Essa aqui leva 14 bilros: dois, quatro, seis, oito, dez, onze, doze, treze, quatorze. 14 bilros. A outra leva 63 bilros! Eu fiz um trilho – coisa mais linda-, da outra renda bem miudinha. Vendi para essa minha sobrinha que mora na Tapera. Agora ela disse que queria esse, não sei, vamos ver. Só que a outra eu vendi à prestação, tudo picadinho. Não ficou muito legal!
TATI – E essa que leva mais pares de bilro, não confunde, não?
FLOR – Não, faço tudo certinho! É que minha filha não está aí, ela tem um trilho que eu fiz, coisa mais linda, eu fiz para ela! Vou ver se acho lá na casa dela pra te mostrar.
TATI – Como era quando a sua mãe lhe ensinou… Era só você e ela, ou fazia em várias pessoas, a renda?
FLOR – Nos reuníamos quatro, cinco moças, na sala, morava na beira da praia e a nossa casa era uma casa antiga com três janelas na frente, então ia todo mundo ali para a casa da Sinhá Lóca fazer renda, minha mãe, o nome dela era Olina, mas chamavam Dona Loca. Então ia todo mundo para lá fazer renda, porque nós morávamos na beirinha da praia…
O meu pai, da janela, ele via a tainha passar na quebra do mar, ele fumava cachimbo, botava o cachimbo na boca, cheio de fumo, olhava na janela. Dali a pouco deixava o cachimbo em cima da mesa e corria, pegava a tarrafa e corria… Chegava lá, botava a tarrafa no peixe, matava duas, três tainhas que ele via da janela, ele via a tainha passar na quebra do mar. Nós íamos fazer renda… Só fazia renda de tarde, de manhã a gente fazia outras coisas.
Eu ajudava o meu pai a pescar, porque eu era a filha mais velha e à tarde a gente se reunia, íamos fazer renda… Às três horas a gente se levantava, a mãe cozinhava aipim, batata doce, nós tomávamos café e depois íamos para a renda outra vez, fazer renda. Ficava até de noite fazendo renda. Era assim a nossa vida… Aprendi com a minha mãe.
Esta conversa continua!
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com a íntegra da entrevista com Florentina Olina Coelho, ou clique aqui para baixar a Ficha de Entrevista com o resumo dos principais temas abordados.
Abaixo, vídeo com trechos do encontro.
Ficha Técnica - 1ª Entrevista - 2012 Local da entrevista: Residência da entrevistada, Armação do Pântano do Sul, Florianópolis-SC. Data: 04 de julho de 2012. Participantes: Tati Costa (entrevista e captação de som); Daniel Choma (entrevista e câmera). Projeto de origem da entrevista: Intergerações – artes do fazer e do lembrar. Parcerias do projeto Intergerações: Instituto 3 Vermelho – Ponto de Cultura Baleeira; Banda da Lapa – Ponto de Cultura Educação Musical Popular; Rádio Campeche – Ponto de Cultura TOCA; LIS – Laboratório de Imagem e Som – UDESC; Prêmio Ação Cultura Digital – Ação Cultura Viva - Ministério da Cultura – Governo Federal. Produção do Projeto Intergerações (2012) e Acervo: Câmara Clara – Instituto de Memória e Imagem. Transcrição da entrevista para projeto Memória Rendeira (2021): Tati Costa | Editoração: Daniel Choma Ficha Técnica - 1ª Entrevista - 2017 Local da entrevista: Residência da entrevistada, Armação do Pântano do Sul, Florianópolis-SC. Data: 13 de abril de 2017. Participantes: Tati Costa (entrevista e captação de som); Daniel Choma (entrevista e câmera). Projeto de origem da entrevista: Artes da memória. Parcerias do projeto Artes da memória (2017): Câmara Clara, Prêmio Catarinense de Cinema; Fundação Catarinense de Cultura; Governo do Estado de Santa Catarina - Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte. Transcrição da entrevista para projeto Memória Rendeira (2021): Tati Costa | Editoração: Daniel Choma Trilha musical do vídeo: Domingos de Salvi | Montagem: Daniel Choma | Pesquisa e Produção: Tati Costa Programação do site: André Bets