“Fiz muita renda sem luz. Lamparina com querosene. A gente botava em cima de um caixotinho, sentava bem em frente, fazia renda assim… Com querosene. Botava pendurada na parede pra clarear a casa. Coisa ruim, coisa triste.”
Catarina Ondina de Aguiar,
rendeira da Ilha de Santa Catarina.
Entrevista realizada em 19 de fevereiro de 2018
no Ribeirão da Ilha, Florianópolis – SC
POR TATI COSTA E DANIEL CHOMA | ACERVO: CÂMARA CLARA
TATI – A senhora nasceu onde?
CATARINA – Aqui mesmo, em Florianópolis.
TATI – Nasceu em casa ou maternidade?
CATARINA – Não, maternidade. Na Maternidade Carlos Correa, há 72 anos atrás! [Sorri] É bom, não é?
TATI – E sua mãe e seu pai também eram daqui?
CATARINA – Sim, eram daqui, só que já faleceram. Minha mãe vai fazer sete anos que faleceu, agora em agosto. A gente sente uma saudade. Fazer o quê? (…) É como falei pra você, eu não sou das senhoras mais antigas, porque tenho só 72 anos. Então o que eu sei, do meu tempo, vou falar pra ti. Como era no nosso tempo, que me criei, até agora, tá?
Porque no meu tempo, quando a gente era mocinha, Zé Pereira não existia. Era um vizinho que tocava o violão no meio do caminho e a gente saía pulando, cantando junto com ele, pra baixo e pra cima, pra se divertir. Naquele tempo não existia droga, era muito calmo, era muito bom. Eu era muito dançadeira, adorava dançar. Quando a gente ia pro salão dançar, a minha mãe, chegava onze horas, meia noite, mandava vir embora. Eu chorava tanto, ela brigava um monte comigo.
Porque para sair pra bailes, alguma festa, tinha que ter uma companheira, uma pessoa que tomasse conta de nós. Se não tivesse ela não deixava a gente sair pra lugar nenhum. Naquele tempo os filhos, os primeiros, ainda obedeciam muito os pais. Mas, de um tempo pra cá, eles já não ligam mais pros pais, não obedecem mais. Os pais falam, pra ele é a mesma coisa. Hoje em dia tem muita droga. Existe sim, existem muitas pessoas, muitos pais sofrendo com os filhos que vivem em droga.
Eu me criei fazendo renda. Quando noivei – tinha um namoradinho, depois de dois anos noivei -, fiz o meu enxoval todo na renda. Vendendo renda, fazendo renda pra gente comprar o enxoval. Naquele tempo o marido trabalhava, mulher não. Mulher não trabalhava, eram mais machista: eu posso trabalhar porque sou homem e a mulher fica em casa lavando louça, fazendo comida, lavando roupa, essas coisas. Ele não deixava eu trabalhar fora, ele que tinha que trabalhar. Tudo bem.
Televisão não existia, ia dormir cedo, arrumei foi quatro filhos! [Risos] É bem assim, sabe? Criaram tudo bem, com saúde, graças a Deus. Aí ele morreu cedo também, o primeiro marido morreu cedo, com 43 anos. Depois de quatro anos que eu estava viúva arrumei outro companheiro. Trabalhava comigo, já peguei um emprego ali no Centro Social mesmo, ele era divorciado, já estou há 36 anos com ele.
DANIEL– O que eram as brincadeiras da sua infância?
CATARINA – A brincadeira da nossa infância: era ratoeira. Época de festa junina era uma maravilha linda, a gente vivia nos terrenos dos outros roubando pau seco pra fazer a fogueira. Aí tinha aquela fogueira, a gente assava batata doce, era o aipim que a gente comia, melado pra comer. Cantava muita ratoeira, era muito bom, muito divertido.
Eu tinha um namorado, era muito levado, eu já tinha terminado com ele, sabe? Aí fizemos uma ratoeira, quando eu vi que ele estava chegando, cantei um versinho pra ele. Cantei bem assim: “Lá vem a perna cambada, lá vem o nariz torcido, lá vem o provoca moça, lá vem o aborrecido”. Ele pegou o diabinho doido e acendeu o diabinho doido, foi bem na minha direção. E eu não queimei a minha anágua? E acabei casando com ele ainda! Ainda casei com ele! Tinha terminado nessa época, depois voltamos de novo, aí casei com ele. De vez em quando eu tocava nesse assunto: “Tu viste o que tu fizeste, queimaste a minha anágua toda!” Mas era muito bom, naquele tempo era muito divertido. Agora, de uns anos pra cá não tem mais isso, não tem mais ratoeira, não tem mais fogueira.
Criei minhas filhas… Tu vê que eu fui criada fazendo renda, minhas filhas não foram uma que quiseram fazer renda. Que quisesse ensinar para fazer, não quiseram. Fui trabalhar fora, eu já tinha quatro filhos, quase quarenta anos. Hoje com dezessete, dezoito anos elas arranjam emprego, não querem fazer renda de jeito nenhum. Nosso tempo era bem assim, sabe? Era uma coisa bem amigável, bem juntas, amigas, onde uma ia a outra ia junto, bem unidas.
Esta conversa continua!
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Catarina Ondina de Aguiar, ou clique aqui para baixar a Ficha de Entrevista com o resumo dos principais temas abordados.
Abaixo, vídeo com trechos do encontro.
Ficha Técnica Local da entrevista: Residência da entrevistada, Ribeirão da Ilha (Freguesia), Florianópolis - SC. Data: 19 de fevereiro de 2018. Participantes: Tati Costa (entrevista e captação de som); Daniel Choma (entrevista e câmera). Projeto de origem: Ribeirão Foto Sensível. Parcerias do projeto Ribeirão Foto Sensível (2018): Câmara Clara; Ecomuseu do Ribeirão da Ilha; Sociedade Musical e Recreativa Lapa; Conselho Comunitário do Ribeirão da Ilha; Grupo de Idosos do Conselho Comunitário do Ribeirão da Ilha; Escola Estadual EEB Dom Jaime de Barros Câmara; Paróquia Nossa Senhora da Lapa (Matriz da Freguesia do Ribeirão da Ilha); Casa da Memória – Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes; Setor de Coleções Especiais, Biblioteca Universitária, Campus Florianópolis - UFSC; Museu de Arqueologia e Etnologia Professor Oswaldo Rodrigues Cabral - UFSC; Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Superintendência em Santa Catarina; Fundação Catarinense de Cultura; Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte - Governo do Estado de Santa Catarina; Secretaria da Cidadania e Diversidade Cultural; Ministério da Cultura - Governo Federal Transcrição da entrevista para projeto Memória Rendeira (2021): Tati Costa | Editoração: Daniel Choma Trilha musical do vídeo: Domingos de Salvi | Montagem: Daniel Choma | Pesquisa e Produção: Tati Costa Webmaster do site: André Bets