Volmi Batista

“A viola é esse instrumento mágico. Por que ela tem todas essas coisas brasileiras em torno dela. As fitas… Por quê as fitas? O que são as fitas? O que é o guizo de cascavel? O que são as coisas de ‘estralar os dedos’? Entendeu? Então, é isso que torna a viola esse instrumento maravilhoso, mágico… Do Brasil e genuinamente brasileiro.”

Entrevista com o produtor cultural Volmi Batista da Silva, morador de Taguatinga-DF.

Encontro realizado na VBS Produções e Eventos, em Candangolândia-DF, dia 09 de fevereiro de 2018.
Entrevistadores: Domingos de Salvi, Sara de Melo, Daniel Choma e Tati Costa.
Transcrição: Tati Costa. Fotos e editoração: Daniel Choma.

Volmi Batista nasceu em em Vazante-MG em 27 de agosto de 1957.


Domingos:
  Volmi, você é de onde?

Volmi:  Eu sou mineiro, da cidade de Coromandel. Na verdade, eu sou da roça, mas eu vivi alguns anos, uns três, quatro anos da minha infância, eu vivi em Coromandel, Minas Gerais. Nasci mesmo, nasci no município de Vazante, só que o lugar que eu nasci é mais perto de Coromandel que da cidade de Vazante. Fui pra Coromandel pra estudar e eu me considero coromandelense. Mas eu cheguei em Brasília com 14 anos de idade. Então eu posso me considerar também um brasiliense, um candango! [Risos].

Domingos:  Como foi a vinda?

Volmi:  Como toda família pobre, quando migra para alguma cidade a gente vai parando. Então eu saí de Coromandel com 11 anos de idade, morei um ano em Vazante, na cidade. Na verdade, eu nasci no município dela, depois morei mais um ano em Paracatu. E vim chegar em Brasília já depois, já com 14 anos. Saí de Coromandel com 11 cheguei em Brasília com 14! [Risos]. Rolando pelas estradas até chegar aqui. Toda família pobre do interior geralmente faz essas paradas pra poder ir conseguindo alcançar os objetivos da vida.

Domingos:  E nesse percurso, você lembra se já tinha alguma coisa de viola?

Volmi:  Sim, a música. Coromandel é uma cidade importante, inclusive no cenário musical brasileiro, porque Coromandel teve dois grandes nomes na música popular brasileira: um é o clarinetista Abel Ferreira e o outro é o Goiá, o poeta Goiá, que até hoje, depois de mais de trinta anos da morte dele ele, ainda é considerado um dos maiores poetas da música sertaneja. Então esse clima, esse ar, lá em Coromandel existe até hoje, e eu pude respirar esse ar de música. Coromandel é uma cidade muito musical, então eu acho que eu me inspirei um pouco nisso. Porque minha família, embora tenha formações assim, de musicalidade, na minha família tinha, a minha avó era chamada pra cantar nos pagodes na roça. Ela cantava à capela e dizem, eu não pude presenciar, que ela animava os pagodes assim, cantando à capela. Eu cheguei até a cantar com ela, depois que ela já estava velhinha, com 80 anos. E tenho notícias também de que meus tios tocavam cavaquinho nas Folias e tal. E eu tenho também lembrança das Folias, quando menino, na roça, nos pousos de Folia, na fazenda onde eu morava, eu tenho lembrança. Aquela coisa de menino, de ir, pra enquanto os foliões estavam jantando e tal a gente ia lá mexer nos instrumentos ali, no cavaquinho, na viola, na sanfona. Então essa lembrança eu tenho, mas meu primeiro contato com música foi no circo, em Vazante. Quando eu morei em Vazante eu comecei a frequentar circos de touradas, que tinha lá as famosas touradas, que iam duplas de violeiros. E aí eu tinha um colega na época, um primo meu inclusive, a gente saía do circo e ia pra rua, sentava na rua e começava a cantar, tentando imitar as duplas que se apresentavam no circo.

Então quando eu cheguei em Brasília eu já trouxe essas lembranças musicais. Mas nenhum contato com o instrumento. Eu fui ter contato com instrumento bem depois e uma coisa assim, bem dramática pra mim, que foi o contato com outro tipo de música que eu não conhecia… Pois quando eu cheguei em Brasília, com 14 anos, eu comecei a ter um contato com a música, principalmente com a música nordestina, que era muito forte aqui em Brasília, nos anos setenta ainda – eu cheguei aqui em 1971. E aí foi quando eu comecei a ouvir Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, que foi uma coisa assim, pra mim… Que música é essa? E comecei a me interessar. E também, logo no mesmo momento, também comecei a conhecer o rock´n roll, música estrangeira de maneira geral, mas principalmente o rock´n roll, que naquela época já tinha aí Raul Seixas fazendo uma música bem interessante… Daí me apaixonei por aquilo e acabei me afastando um pouco, talvez uns dez anos, acabei me afastando das minhas raízes mesmo, da origem caipira. Foi um choque que eu tive, só depois de uns dez anos que eu conheci Zé Mulato e Cassiano, que eu comecei a ouvir rádio, ouvi eles no rádio, comecei a conviver um pouco no meio, que eu fui… O próprio sentimento foi me trazendo de volta. Aí eu conheci a viola caipira mais assim, fisicamente. Aí que eu falei, minha coisa não é essa, minha coisa é a outra, a musica caipira. Mas até hoje a música em mim é de maneira geral universal, não tenho… Eu adotei a cultura caipira porque é a minha origem e porque eu acho mais como uma causa mesmo do que como um gosto pessoal, entendeu? Como um sentimento pessoal. É mais como uma causa.

Porque eu, na minha vida todinha eu sempre fui ligado às causas importantes, principalmente as necessidades da sociedade brasileira, de todos os sentimentos mundiais. Eu acho que a viola caipira, sem dúvida, e a musica caipira, por consequência, é das músicas mais importantes no Brasil e mais discriminada em toda a história da música brasileira. Então talvez esse sentimento pra mim seja mais forte do que a própria ligação musical, o próprio sentimento musical. Pra mim o sentimento musical é universal, mas a causa com a viola e com a música caipira é mais uma coisa de valorizar mesmo e divulgar esse gênero.

Domingos:  E no Distrito Federal, tem essa identificação das pessoas com a viola caipira?

Volmi:  Pois é, nessa época, quando, final dos anos setenta, início dos anos oitenta, a coisa era terrível mesmo, era uma coisa, vamos dizer assim, de polícia! [risos]. Porque a discriminação era terrível com relação não só à música caipira, viola caipira, era com a música popular brasileira de maneira geral. Porque foi a época da invasão da música estrangeira no Brasil, foi quando começou a chegar as multinacionais, as gravadoras multinacionais. E começaram a empurrar mesmo assim os artistas brasileiros pra poder mudar, enfim, soterrar as tradições musicais brasileiras. Então foi quando eu achei que devia me aprofundar um pouco mais nisso aí, de valorizar mesmo esse gênero.

Domingos:  E quando você chegou aqui em Brasília, onde você foi morar?

Volmi:  Cheguei, fui morar em Taguatinga. Morei dez anos em Taguatinga e foi bem legal porque Taguatinga, até hoje, ainda é a segunda cidade maior do DF, depois do plano piloto. E Taguatinga era assim, o que não acontecia no plano piloto acontecia em Taguatinga. E eu tive a oportunidade na época de conviver no SESI em Taguatinga, que era uma grande escola de cultura, também fora do plano piloto. E eu comecei com teatro, fazendo teatro lá no grupo Oficina do SESI, em Taguatinga, que não tinha nada a ver com música, principalmente com música caipira, mas isso foi lá em 1977, 1978, por aí. Eu já gostava, já estava tentando tocar alguma coisa, mas meu sentimento era cultura de maneira geral. Então eu fiz teatro, fiz cineclubismo, foi das linguagens da cultura que eu atuei mais nessa época. Música eu ainda não tinha noção do que eu poderia fazer. Era mais um divertimento, uma coisa que eu gostava. Foi interessante, nessa época, que eu conheci uma banda de baile, chamava Raolino Supersom 2000, em Taguatinga, que o vocalista era o Jessé, o grande cantor da música popular brasileira. E eu já [trabalhava], porque na minha época, menino com quatorze, quinze anos, trabalhava né? Eu trabalhava e muito, tinha emprego mesmo. E eu matava serviço pra ir assistir ensaio deles.

Mas mineiro diz o seguinte… Minas tem um ditado que diz: o mineiro sai de Minas, mas Minas não sai do mineiro. E a música caipira e viola é a mesma coisa. Você pode sair da música caipira, mas ela não sai de você. Então, mesmo com essas influências que tive na época, assim que eu botei a cabeça no lugar percebi que essa era a minha origem, com a cultura caipira. Aí eu conheci Zé Mulato e Cassiano, conheci outros expoentes na época, da música caipira, que me fizeram voltar às origens assim, verdadeiramente. Então eu comecei a frequentar ambientes que tinham música e viola caipira e os principais eram o Zé Mulato e Cassiano.

Domingos:  E onde que acontecia essas coisas mais “caipiras”?

Volmi:  Pois é, como eu falei, em Taguatinga, onde eu fui morar, o SESI era grande, era o espaço onde as coisas aconteciam fora do plano piloto era no SESI em Taguatinga. Então lá tinha um programa chamado “Ranchinho de palha”, era um programa de rádio e que ele fazia também, Euclides de Freitas. Inclusive você entrevistou a dupla Advogado e Engenheiro, o Euclides era genro do seu João [Pedro da Silva]. O Euclides de Freitas que tinha esse projeto chamado “Ranchinho de palha”, que era um programa de rádio e um programa de auditório. E nessa época vieram a Brasília vários artistas famosos da época, que era o Carreirinho, que na época ele cantava com a Zita, Zita, Carreiro e Carreirinho. Veio Tonico e Tinoco. Um que eu não pude ver, aliás, eu nem sei se ele veio na época foi o Tião Carreiro e Pardinho. Mas eu comecei a frequentar esse ambiente aí, aí fui voltando às origens. Logo no final já dos anos oitenta eu já tive um trabalho com um trio que era eu tocando viola, tinha um parceiro que tocava violão e a primeira voz muito boa e um sanfoneiro.  (Continua…)