Advogado e Engenheiro

“O que mandava na época era o circo.
Mas se um circo se instalasse numa cidade
e não tivesse viola… Não tinha espetáculo.
Circo sem viola não era circo.”

(João Pedro da Silva)

Entrevista com os músicos e luthiers João Pedro da Silva e Alexandre Aden Alves Silva, pai e filho que juntos formam a dupla Advogado e Engenheiro. Moradores de Taguatinga-DF.

Encontro realizado na ADEN Oficina de luteria, em Taguatinga-DF no dia 08 de fevereiro de 2018.
Entrevistadores: Domingos de Salvi, Sara de Melo, Daniel Choma e Tati Costa.
Transcrição: Tati Costa. Fotos e editoração: Daniel Choma.

João Pedro da Silva nasceu em Corumbá-GO, dia 26 de junho de 1935. Alexandre Aden nasceu em Goiânia-GO, dia 09 de março de 1962.

Domingos:  Seu João, a gente quer saber um pouquinho da sua história. O senhor é natural de onde?

João:  Eu sou de Corumbá, Goiás, mas morei um ano só lá. Meu pai mudou pra Goiânia, eu tinha um ano de idade. Aí lá me criei e meu pai sempre mexendo com serviço de madeira. Ele era artesão, fazia viola, rabeca, violino, essas coisas. E eu sempre carregando a serragem pra fora pra ele. E vendo que aí foi, durante essa transição junto com meu pai. Separei dele porque ele morreu, senão a gente estava até hoje junto.

Domingos:  Ele faleceu onde?

João:  Em Goiânia mesmo. Aí logo veio ele [refere-se ao filho, Alexandre]. Eu aprendi a fazer as violas com ele, porque isso está no sangue a luteria, a música. Às vezes a pessoa vê um baita violeiro tocando uma viola, amanhã ele vai lá na loja e compra uma viola pra tocar e não consegue, porque está no sangue, está na pessoa. E aí veio ele [Alexandre].

Domingos:  Mas o senhor tem essas lembranças de luteria e viola ainda na infância?

João:  Na infância.

Domingos:  E como foi a infância?

João:   Primeira etapa foi trabalhando sempre, consertando algumas violas que os outros enchiam d´água e cachaça lá na roça, trazia pra gente consertar e a gente consertava. E daí por diante a gente foi, a vida é um ensino que a gente tem. E cada dia que amanhece é um dia que você começa a vida novamente, não é? Então a gente foi aprimorando a viola e hoje temos viola em Israel, na Alemanha, em museus de Berlim, Doris Dayck tem instrumento nosso com muitos outros grandes artistas. E os que não são grandes artistas, mas gostam da viola, tocam caseiramente, têm nosso instrumento também. E aí por diante ele [Alexandre] aprendeu, ficou melhor do que eu! [Risos.]

Domingos:  O pai do senhor só fazia violas, tinha uma especialização?

João:  Viola, rabeca, violinos, ele trabalhava só com isso naquela época.

Domingos:  E o senhor começou a tocar viola também?

João:  Meu pai era violeiro… Porque o instrumento, a viola, você nasce os dentes já querendo tocar. Eu tenho um bisneto, com seis anos ele já fazia show com ele [Alexandre] de viola. Então ele toca divinamente viola. Ele escuta você tocar uma música, pega a viola e toca a mesma coisa que você. Então está no sangue. E tem velhos aí de oitenta anos que ainda não aprenderam. Então é isso aí, uma coisa que está no nosso sangue: a madeira pra trabalhar, que é uma arte, e o instrumento musical.

Domingos:  O que o senhor tocava quando começou a aprender viola?

João:  No meu primeiro disco que gravei, ele [Alexandre] estava com seis anos de idade. Foi em 1966, em São Paulo, pela Fermata, da Mexicana – essa gravadora lançou uma filial no Brasil e convidou nós pra gravarmos. Era Dico e Deco na época. Gravamos uma música que foi muito sucesso, até foi prefixo do programa Ranchinho de Palha, aqui em Brasília e em Goiânia. É uma música muito boa, de nossa autoria mesmo. E assim a gente vai levando a vida, enquanto a morte está encolhida! [Risos.]

Domingos:  E quando o senhor começou a aprender a tocar, ainda lá no Goiás, tinha circo?

João:  Demais, era o que mandava na época, era o circo. Se um circo se instalasse numa cidade e não tivesse viola… Não tinha espetáculo. Não tivesse violeiro tocando… Então já anunciavam na rádio, naquelas rádios possantes lá de Goiânia. O pessoal não ia pelo espetáculo do circo, porque circo diz que é igual a japonês, viu um espetáculo, viu todos! E o violeiro era sofisticado, aqueles dramas. Eu fiz uma música chamada “Milagre do Divino”, naquela época falava drama, não era teatro. Virou um teatro nacional, que uma dupla de São Paulo pegou e fez um teatro. Eles levavam no circo, Léo Canto e Robertinho, levavam bangue-bangue tal, aqueles tiros e coisa, e aí começava o espetáculo. Então tinham essas coisas nos circos… Circo sem viola não era circo.

Domingos:  O senhor lembra das duplas que iam nesse circo aí?

João:  Demais, Praião e Prainha, Silvério e Barrinha, Tonico e Tinoco, Vieira e Vieirinha, Zico e Zeca, Lio e Léo, Zé Carreiro e Carreirinho, começou Tião Carreiro e Pardinho. Era tudo em circo. Anunciava, por exemplo, Tião Carreiro e Pardinho, o circo lotava. Praião e Prainha, uma dupla que foi muito sucesso na época, primeiro que gravaram o “Canarinho prisioneiro”, que o Chico Rei e Paraná regravou. Lá em Trindade tem a festa de Trindade, de romaria, na época era cem mil pessoas, hoje vão mais, a cidade cresceu e o povo vai. O circo esvaziava e eles entravam pra cantar. Esvaziava aquele espetáculo que eles cantavam só com música, cantava, esvaziava. E enchia o circo de novo, o dia todo cantando “Igrejinha da serra” e “Canarinho prisioneiro”, as músicas de sucesso da época. Então era assim o violeiro da época. E hoje o que manda em mais de duzentos países é a música sertaneja nossa. Porque ela vem com raiz, com força, bem adubada, bem irrigada. Mas tinha uma época que os pais das moças não deixavam as moças namorar com violeiro de jeito nenhum, “isso é vagabundo”. [Risos.] Tonico e Tinoco contava essa história, namorava escondido que o pai não aceitava, violeiro, músico. Nelson Gonçalves falou também um dia: moça não namorava com cantor porque o pai chamava de vagabundo. Era verdade. Mas hoje os pais das moças tratam “assim” os violeiros… [Risos.]

Domingos:  E nessa época também o senhor lembra se tinha Folia de Reis?

João:  Tinha, Folia de Reis, a gente ia muito em Folia de Reis, meu pai era folião de Reis. Mexia com Folia de Reis, Folia de São Sebastião, Divino, aquelas Folias da época, era muito bom. Eu fui pra uma Folia num lugar chamado Sobradinho, perto de Goiás Velho, fiquei sete dias lá. Nem cachorro brigou, pra você ter ideia, quanto mais o pessoal que andava… Veio entrega da Folia lá numa fazenda, tinha umas quinhentas pessoas que foram da cidade vizinha, não saiu uma briguinha, não saiu nada. Era bom demais… A pessoa naquela época divertia sem droga, sem nada dessas coisas, então era muito bom.

Domingos:  E a folia, ela saía recolhendo aquelas coisas da oferta? Como era a oferta nessa época?

João:  É, isso, oferta. Era assim, tinha as ofertas da fazenda, eles falam assim hoje, o pouso, é lá em casa, ia todo mundo, aquela fartura danada…

Domingos:  As ofertas eram o quê, pra Folia?

João:  Ah, era alimentação.

Alexandre:  Alimentação. Pouso. E eles punham, firmavam a bandeira, Festa do Divino, Folia de Reis, do Divino, eles firmavam bandeira. Aí eram três dias de festa. Naqueles três dias o dono da casa, o anfitrião, teria que custear todo mundo, todos os foliões que estavam vindo e o povo que acompanhava a Folia. As ofertas eram assim, eles davam às vezes até uma leitoa…

João:  Vaca…

Alexandre:  Uma vaca, pra depois matar ou leiloar pra oferta pra igreja. Essas festas ainda continuam, tem aqui, ainda tem.     (Continua…)