“Passarinho sanhaço,
leve esta carta ao meu bem.
Leva no bico fechado,
não me mostre pra ninguém.
Eu queria estar agora
onde está meus pensamentos.
No galhinho da vassoura,
balançando com o vento.”
Versos de ratoeira entoados
por Isolina Machado de Oliveira,
rendeira da Ilha de Santa Catarina.
Entrevistas realizadas em 16/12/2011 e 20/04/2017
na Armação do Pântano do Sul, Florianópolis – SC
POR TATI COSTA, DANIEL CHOMA, ALEXANDRE DE MEDEIROS, ALINE MACIEL, CHICO ROCHA E MAURÍCIO MARTINS | ACERVO: CÂMARA CLARA
[No começo da gravação, Juliana prepara uma renda nova na almofada, com a orientação de Isolina]
ISOLINA – Desde quatorze anos eu faço renda…
JULIANA – Com seis anos nós já fazíamos, sete anos. A Ema – uma prima minha que já morreu -, com cinco aninhos a tia ensinou ela a fazer renda. Naquele tempo brincava aos sábados e domingos, dia de semana era trabalhando, arrancando feijão, plantando feijão, essas coisas.
ISOLINA – O serviço que eu não gostava de fazer era apanhar café, de tudo eu fazia. Apanhar café eu não gostava, muito chato apanhar café.
TATI – Onde que ficava o café?
ISOLINA – Eu tinha ciúme do café porque elas apanhavam com a folha, corria assim a mão. Eu catava baguinho por baguinho, para deixar a vareta do café com a folhinha, baguinho por baguinho…
JULIANA – Quer ver raspar mandioca: eu adorava! Raspava só a metade da mandioca e jogava para a minha prima, ela era bem lerda. Eu ainda ia ajudar ela e não acabava. Eu me lembro tão bem! Aqui adiante tinha dois engenhos: um de farinha, outro de cana. A minha irmã, Germana, botou uma roça de farinha. Plantou, capinava tudo sozinha, tadinha, trabalhadeira! Essa também é viúva. O serviço da gente naquela época era assim, ninguém estudava.
ISOLINA – As crianças todas trabalhavam.
JULIANA – Eu aprendi – não tenho medo de ler – com uma professora que fui para casa dela cuidar de um menino, o menino hoje é capitão da polícia…
[Corte]
TATI – E a senhora vai armar o quê?
JULIANA – Armar Tramóia, também, está ali já o pique.
TATI – É esse pique da galinha que a senhora vai armar, ou outro?
JULIANA – Não, não. A galinha é dela!
ISOLINA – A galinha eu vou armar ainda na outra semana. Se acabar o peixe vou armar a galinha. Essa galinha vai levar um mês, porque não fico só na renda. Eu saio um pouquinho para dar uma voltinha, chateia muito só sentada na renda. Eu gosto um pouco de andar. Às vezes minha filha convida pra ir lá embaixo na casa dela. Eu já trabalhei muito, minha filha! Hoje estou com oitenta e oito anos, como eu já trabalhei! Graças a Deus, agradeço a Deus que eu já trabalhei!
TATI – A senhora está pondo linha dupla?
ISOLINA – É! Fica a renda mais cheinha. Essa renda é mais cheinha, tem que ser bem cheinha.
JULIANA – Nós fomos criadas só no serviço, criadas sem mãe, mas só no serviço.
ISOLINA – Domingo nós fomos numa fazenda – bem pra lá de Alfredo Wagner-, cantar ratoeira… Foi um ônibus cheio! Aí, foi o Boi de Mamão…
JULIANA – Teve uma menina que ficou com medo, coitadinha…
ISOLINA – É, ela ficou com medo do Boi… Aí a gente benzeu o Boi, o Boi ficou caído, me pediram para benzer o Boi, eu benzi o Boi, daqui a pouco o Boi se levantou. Depois a gente cantou a ratoeira, tinha vinte mulheres. Agora vamos continuar a ratoeira, tem as cantigas que a gente canta…
[Recita]
A folha da bananeira,
pra que banda está virada.
Lá pra banda da cidade,
pra lá eu não tenho nada.”
Esta conversa continua!
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com a íntegra das entrevistas com Isolina Machado de Oliveira e Juliana Machado da Silveira, ou clique aqui para baixar a Ficha de Entrevista com o resumo dos principais temas abordados.
Abaixo, vídeo com trechos do encontro.
Ficha Técnica - 1ª entrevista - 2011 Local da entrevista: Residência de Isolina, Armação do Pântano do Sul, Florianópolis - SC. Data: 16 de dezembro de 2011. Participantes: Tati Costa (entrevista e captação de som); Alexandre de Medeiros (entrevista); Daniel Choma (entrevista e câmera principal); Chico Rocha (câmera 2); Aline Maciel (câmera 3); Maurício Martins (fotografia still). Projeto de origem da entrevista: Intergerações – artes do fazer e do lembrar. Parcerias do projeto Intergerações: Instituto 3 Vermelho – Ponto de Cultura Baleeira; Banda da Lapa – Ponto de Cultura Educação Musical Popular; Rádio Campeche – Ponto de Cultura TOCA; LIS – Laboratório de Imagem e Som – UDESC; Prêmio Ação Cultura Digital – Ação Cultura Viva - Ministério da Cultura – Governo Federal. Produção do Projeto Intergerações (2011) e Acervo: Câmara Clara – Instituto de Memória e Imagem. Transcrição da entrevista para projeto Memória Rendeira (2021): Tati Costa. | Editoração: Daniel Choma. Ficha Técnica - 2ª entrevista - 2017 Local da entrevista: Residência de Isolina, Armação do Pântano do Sul, Florianópolis - SC. Data: 20 de abril de 2017. Participantes: Tati Costa (entrevista e captação de som); Daniel Choma (entrevista e câmera). A entrevista é acompanhada por uma amiga de Juliana e Isolina. Projeto de origem da entrevista: Artes da memória. Parcerias do projeto de origem: Prêmio Catarinense de Cinema; Fundação Catarinense de Cultura; Governo do Estado de Santa Catarina - Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte. Produção do Projeto Artes da memória (2017) e Acervo: Câmara Clara – Instituto de Memória e Imagem. Transcrição da entrevista para projeto Memória Rendeira (2021): Tati Costa. | Editoração: Daniel Choma. Trilha musical do vídeo: Domingos de Salvi | Montagem: Daniel Choma | Pesquisa e Produção: Tati Costa Programação do site: André Bets